João Pedro Martins, Jornal i

A moral desta história é que não existe moral porque o único acusado que está sentado no banco dos réus é o ex-inspector coordenador da PJ de Portimão

A novela em torno do desaparecimento de Madeleine McCann está a transformar este caso mediático numa gigantesca burla da investigação criminal.

A operação montada pela polícia britânica nos quintais ajardinados da Praia da Luz parecia um novo episódio de humor negro dos Monty Python. Ver agentes da Scotland Yard (a PJ da rainha de Inglaterra) de picareta e enxada na mão a escavar na tentativa de encontrar indícios que pudessem levar ao paradeiro de Maddie McCann confunde-se com uma aula coletiva para aprendizes a plantar batatas. Qualquer trolha algarvio faria melhor figura do que aqueles senhores ingleses vestidos com uniformes de Sua Majestade.

Ficámos a saber que os polícias britânicos não são melhores do que os seus congéneres portugueses. Ficámos também a saber que os cães treinados que vieram de Inglaterra nem um ossinho conseguiram farejar nos jardins da Praia da Luz e que por isso não são melhores do que os caninos da nossa PJ. Ficámos ainda a saber que ao longo de sete anos de investigação transnacional gastaram-se rios de dinheiro público sem nenhum resultado visível.

Nada se fez para que os pedófilos se retraíssem nas suas obsessões hediondas e criminosas por crianças indefesas. Não existe uma política internacional articulada de combate ao tráfico de seres humanos, protegendo as vítimas infantis de serem comercializadas no mercado sexual, laboral e de adoção. Não foram introduzidas alterações legais significativas para punir os pais negligentes que deixam os filhos em casa enquanto se vão divertir com os amigos ou que deliberadamente maltratam os seus descendentes. Não há nenhum organismo regulador que evite que o dinheiro dos contribuintes seja gasto em picaretas e enxadas utilizadas em escavações inúteis. Não há culpados, mas apenas mais uma criança a juntar à lista de milhares de desaparecidas.

A moral desta história é que não existe moral porque o único acusado que está sentado no banco dos réus é o ex-inspetor coordenador do Departamento de Investigação Criminal da Polícia Judiciária de Portimão. Gonçalo Amaral teve a infeliz ideia de escrever um livro em que defende a tese de eventual envolvimento de Kate e Gerry McCann no desaparecimento da criança e na ocultação de cadáver. A ousadia editorial do ex-inspetor levou os pais de Maddie a pedir uma choruda indemnização superior a um milhão de euros, no âmbito de um processo judicial por alegada difamação.

A solução deste caso, que se tornou uma Maddiemania explorada até ao tutano pela imprensa e uma permanente dor de cabeça para os inspetores, poderia dar voz aos milhões de crianças que todos os anos são silenciadas. Mas a probabilidade de Maddie aparecer ou de os verdadeiros culpados do seu desaparecimento se sentarem no banco dos réus é tão ínfima quanto a esperança de até ao Natal termos um governo com políticos íntegros.

Mais crianças continuarão a cair de varandas, a afogar-se em piscinas ou a morrer sufocadas e trancadas dentro de carros, devido à negligência de pais atarefados. O faro predador dos pedófilos vai continuar a perseguir carne tenra e fresca até que mais uma família chore o desaparecimento dos seus filhos. Enquanto houver quem pague, os mercenários que traficam seres humanos vão continuar a ter clientela certa.

Até quando o silêncio da dor das crianças abusadas e das famílias que perderam os seus filhos vai continuar a gritar para que se faça justiça?

Afinal, quanto vale a vida de uma criança?