Carlos Pimenta, Jornal i

Constatar que os 1% mundialmente mais ricos aumentaram a sua riqueza, que novas pessoas ultrapassam o limite de mil milhões de libras, dólares ou euros, é obsceno

1. Os países da União Europeia adiaram mais uma vez a aplicação de uma taxa sobre as transacções financeiras. A taxa é mínima, menor para as operações mais especulativas (0,1% e 0,01% respectivamente), mas sucessivamente protelam a sua aplicação, cada vez com menos países aderentes. As justificações para o lançamento da taxa são por vezes contundentes − a responsabilidade do sector financeiro na actual crise e a "justiça" − mas são mera propaganda para enganar eleitores e populações espezinhadas no dia a dia. Apesar das baixíssimas taxas aventadas, sobretudo para os 95% de actividade bolsista que nada têm a ver com a criação de rendimento, poderia render anualmente trinta e cinco mil milhões de euros, um quarto das dotações de pagamento do orçamento da UE para o presente ano.

 

2. Esta taxa sobre a operações financeiras, frequentemente designada por «taxa Tobin», por ser uma continuidade do que aquele laureado com o Prémio Nobel propôs para atenuar a especulação sobre as moedas, tem sido mais intensamente sugerida depois das crises financeiras localizadas de 1994 a 2001, que já faziam prever o que viria a acontecer pouco anos depois. Após 2008 o lançamento da referida taxa assume maior popularidade, com instituições internacionais a considerarem a necessidade da regulação das actividades privadas, com destaque para o sector financeiro, e com o reconhecimento da sua viabilidade, apesar da manutenção do dogma da total liberdade de circulação do capital à escala mundial.

Os destinos desse arrecadamento pode ser o financiamento institucional, como qualquer outro imposto, o apoio aos planos de austeridade, de que a banca é a principal responsável, ou ainda a “promoção” do desenvolvimento das zonas mais desfavorecidas. Contudo a importância de uma tal taxa ultrapassa tal âmbito: é uma forma de atenuar a volatilidade das cotações, começar a romper com o anonimato das operações financeiras e deixar um rastro burocrático sobre a sua execução.

 

3. As declarações sobre a eventual aplicação da taxa sobre as operações financeiras, faz parte, no entanto, do teatro da hipocrisia do sistema.

Ela faz sentido, é ética, económica e socialmente importante, mas não deve ser assumida num espaço geográfico limitado, exige um controlo político da actividade económica que impeça os bancos transferirem para os consumidores e investidores o custo de uma tal taxa. Faz pouco sentido taxar a especulação e concomitantemente os Estados promoverem a concorrência fiscal, fomentarem a legalidade e a importância dos paraísos fiscais e judiciários, vulgo offshores, quando é sabido que essa é uma das vias dos poderosos não pagarem impostos, de a corrupção e o branqueamento de capitais terem canais de escoamento, do crime organizado e as elites especuladoras construírem o seu domínio comum.

Num período dramático como o que vivemos, constatar que os 1% mundialmente mais ricos aumentaram a sua riqueza, que novas pessoas ultrapassam o limite de mil milhões de libras, dólares ou euros, é obsceno. Não por serem ricos mas por outros serem pobres por causa disso. Por quase não pagarem impostos. Por apropriarem-se de muito e produzirem pouco. Pela subserviência política que criam.

 

4. A taxa Tobin foi mais uma vez foi adiada, mas a UE funciona. O agricultor que pretende vender no mercado local as couves que lhe sobejaram já é obrigado a emitir factura certificada e ter a informação contabilística em dia. Assim é que é: a lei é igual para todos.