António João Maia, Jornal i
Desde que me conheço que sou assumidamente adepto do Benfica e, nessa medida, vibro com as vitórias do meu clube.
Posta esta declaração de interesses, passemos agora à reflexão que proponho.
Há dias o país inteiro festejou, noite dentro, a vitória encarnada no campeonato. Outras vitórias estão previstas e deixam já antecipar exuberâncias idênticas, com verdadeiras marés vermelhas a pintarem as praças das principais cidades.
Foi neste contexto, nomeadamente quando a TV passava imagens cheias de cor, de ruido e com milhares de pessoas no Marquês de Pombal em autêntico estado de transe, que um amigo com quem almoçava encolhia resignadamente os ombros e afirmava “somos o melhor povo do mundo. Com uma boa liderança levam-nos aonde quiserem…”
Retorqui que as pessoas necessitam destes momentos para atenuar as dificuldades que enfrentam no dia-a-dia das suas vidas. Estas euforias são também momentos colectivos de escape a essas pressões a que todos estamos sujeitos e que nos últimos anos têm sido particularmente pesadas.
É verdade que nestes momentos esquecemos a crise e as pontinhas de orgulho nacional acabam por nos unir de forma particularmente intensa. Porém julgo que seja igualmente importante e até necessário que sejamos capazes de criar espaços de maior envolvimento das pessoas nos processos de vida coletiva, sobretudo quando implicam decisões que nos afetem diretamente a todos, como sejam por exemplo a redefinição das funções que o Estado deve e pode assegurar e como o deve fazer, ou o aprofundamento do sistema democrático e das formas de representação e participação na vida política. É que, se outras razões faltassem, somos todos parte interessada nestas questões e numa dupla vertente: enquanto destinatários das decisões que delas decorrem e enquanto contribuintes que, com os nossos impostos, as temos de custear – provavelmente quase ninguém sabe por inteiro porque estivemos sob intervenção da Troika neste três anos ou o que seja uma saída limpa…
Um estudo realizado em 2008 por Newton e Giebler (patterns of participation: political and social participation in 22 nations) que comparou os padrões de participação social e política dos cidadãos, revelou que Portugal é dos países europeus com menores índices de participação e envolvimento das pessoas relativamente a questões de interesse colectivo, de natureza social e sobretudo política. Por isso somos política e socialmente menos exigentes e, por sermos menos informados e participativos, estamos mais expostos a eventuais situações de natureza fraudulenta.
A organização da sociedade civil, apoiada nos novos instrumentos comunicacionais, é uma forma de potenciar um maior envolvimento das pessoas relativamente às questões de interesse coletivo. Parece um espaço adequado para o esclarecimento e motivação dos cidadãos para a importância do seu contributo positivo nas questões de interesse geral.
Entretanto avizinham-se novas marés de festejos nas ruas. O Benfica prepara-se para ganhar novos troféus e logo quase de seguida vem aí a nossa seleção para nos encher de orgulho nacional com os feitos que se aguardam no mundial do Brasil. Como dizia o já desaparecido Jorge Perestrelo aos microfones da rádio, “é disto que o meu povo gosta…”
Enquanto não formos capazes de alcançar um patamar de maior participação cívica das pessoas nos assuntos que afetam de forma direta as suas vidas, dificilmente deixaremos de ser uma sociedade que aborda as questões coletivas segundo um modelo do tipo “meia bola e força”.