Mariana Costa, Visão on line,

A confiança no anónimo parece aproximar-se quase de uma confiança metafísica na espécie humana
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1. Se é verdade que a história se move em círculos, parece assistir-se atualmente a um retorno crescente à troca direta de bens e serviços.Possivelmente acentuado pelos efeitos da crise financeira na menor disponibilidade de recursos pelos agregados familiares, o fenómeno da troca direta surge agora, com frequência, sofisticadamente intermediado por páginas na Internet, que funcionam como repositórios de necessidades recíprocas, num encontro que se pretende um ótimo paretiano.

Pessoalmente, o que mais me fascina nestes processos de troca direta processada à distância é o voto de confiança que o anonimato impõe.

Entendendo a confiança como a fé que se deposita em algo ou em alguém, a confiança no anónimo parece aproximar-se quase de uma confiança metafísica na espécie humana…

Estaremos mesmo a ficar mais confiantes? Ou apenas mais necessitados?

A tensão latente entre a maioria das relações contratuais e a confiança assenta na constatação de que se todos respeitarem as regras todos têm algo a ganhar, mas a tentação oportunística de maximizar os ganhos, pelo desrespeito das regras, é inerente à natureza conflitual dos interesses em jogo. Ora, a maximização ilícita dos ganhos de um dos contraentes acarreta, por norma, a lesão dos interesses da contraparte negocial.

2. Alguns dos sites disponíveis na Internet para troca de bens e serviços assumem uma política de desresponsabilização face aos negócios que promovem, assumindo-se como intermediários apenas no encontro.

Por seu turno, sites há que adotam políticas complexas de proteção dos seus utilizadores, promovendo não só o encontro de necessidades opostas, mas também disponibilizando intrincados mecanismos de salvaguarda das legítimas expectativas das partes, compensando pelos procedimentos o que carece pela confiança. Naturalmente, estes sites cobram uma percentagem pelos seus serviços, o que encarece o produto final.

Foi num destes últimos sites que recebi uma estranha proposta do proprietário do serviço sobre o qual inquiri, no sentido de fazer uma experiência por um período pequeno, dentro das regras do site, e depois decidir se pretendia alargar o período de utilização do serviço ou não, com um desconto significativo no preço final. Dentro ou fora do site? Não perguntei. Encontrei uma alternativa que me satisfazia melhor, dentro das regras de proteção do site.

Esta experiência levou-me a ler com mais atenção a política de utilização e a reparar no papel confiado ao próprio utilizador de delator de condutas ofensivas dessa mesma política, através de um aviso de mensagem imprópria, spam, tentativa de transação fora do site ou tentativa de angariação para outros sites. E aqui assenta o paradoxo último, quando o agente beneficiário da confiança promovida pelo intermediário se torna, ele mesmo, agente de promoção dessa confiança para com o seu promotor.