Carlos Pimenta, Jornal i

Os partidos do "arco da governação" têm experiência de governação, mas também responsabilidade pela degradação ética

 

1. "Prescreveu a coima contra Jardim Gonçalves", "processo do Ministério Público prescrito", "erro processual anula julgamento",  " nunca foi constituído arguido", "Só 6% de condenações por corrupção", "milhões defraudados, usufruídos em liberdade", "A SLN, ex-dona do BPN, agora Galilei, desdobra-se em negócios como se não existisse a dívida ao Estado de mais de 1,3 mil milhões de euros", "até recebem financiamento do Estado". “Envolvidos, directa ou indirectamente, em escândalos financeiros são promovidos politicamente”. “Suspeitas fundadas nunca são investigadas”. Perdões fiscais lavam dinheiro a baixo custo. Isenções fiscais,  legais, lesam os interesses do país. Os submarinos só corromperam na Alemanha e Grécia, não por terras lusas.

Eis fraudes, e crimes, de colarinho branco.  Uma criminalidade que impregna algumas elites, bem inseridas nos centros de decisão político-económica e do jogo de influências. Com uma mão fazem leis e aplicam-nas e com a outra defraudam.

Uma situação que revela profundas desigualdades sociais. Os crimes de uns, impunes, são pagos por quem os não cometeu. É a «luta de classes»!

2. São situações que os portugueses conhecem bem.

A dignidade e a honra do país não têm boa classificação. O Banco Mundial revela, entre 1996-08 uma notória degradação no controlo da corrupção.  O Índice da Transparência Internacional explicita a continuação dessa situação.

Poucos são os corruptos, mas ciclópico o seu poder em terras lusas. Somos lacaios e mestres de uma dinâmica mundial de desagregação da coesão social.

“Tudo é melhor nos EUA, vejam a celeridade no caso Madoff” , dizem alguns. Contudo esquecem que durante muitos anos as autoridades fizeram vista grossa das evidências de fraude, que muitas dezenas de madoffezinhos não foram condenados, que o processo ainda não está inteiramente terminado, que especuladores do subprime  foram politicamente promovidos.

A criminalidade internacional organizada de colarinho branco, é inerente às situações de forte desigualdade económica e social, de degenerescência ética, alimentada pela ideologia "da soberania dos mercados", usufruindo plenamente da mundialização. É um poder em ascensão durante a actual crise, graças à sua liquidez e ao empobrecimento social, político, cultural, ética e simbólico da sociedade.

A lei está mais preparada para defender a propriedade do que para a combater, mesmo que ilegitimamente obtida.

3. É uma responsabilidade "do sistema" que tem rostos e que exige a intervenção de todos e cada um. É uma situação universal que devemos combater aqui e agora. A acção de cada um será diferente, mas há um elo que nos une: a construção de um Estado que sobredetermine o económico, que não seja dominado pelos interesses dos poderes económicos dominantes.

A liberdade política e social é condição indispensável, mas a democracia pode, sob a capa "cada homem um voto", encobrir "cada euro um voto". Que cada um se certifique, não aceitando o discurso único, de que não vota nos que objectivamente são contra si.

Os partidos do "arco da governação" − com diferentes posturas,  por razões institucionais e pessoais − têm experiência de governação, mas também responsabilidade pela degradação ética. A alternância tem ensinado a uns e outros o acesso às «portas giratórias» e construído “telhados de vidro”. Criar o novo exige estruturas, posturas e o voto. Exige encontrar as formas de institucionalização da abstenção que expressa o desencanto e o descontentamento.