Maria Amélia Monteiro, Visão on line,

Nada correu como previra e agora percebe bem a expressão “o crime não compensa”
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Tudo se conjugava para resolver os problemas que o afetavam a si e à sua família. O modelo já tinha sido testado pela família vizinha e tinha resultado. Mas, não sabe bem porquê, ou então prefere continuar a não saber, o resultado que obteve com o esquema só lhe veio piorar a situação que já era má.Recuando no tempo, ainda se vê a combinar com a mulher e com os filhos que passariam a discutir com frequência, que as vozes se altercariam para se criar a ilusão de que havia desentendimento.

Isso só duraria até a mãe sair com eles de casa. Depois de arranjar uma casa da câmara, porque era vítima de violência doméstica, e mais uns meses seriam necessários, até que se juntariam todos e seriam felizes na casa nova. Dado o tugúrio onde viviam e pelo qual pagavam uma renda que levava mais de um terço do rendimento mensal familiar, era impossível que a nova casa, mesmo em bairro social, não fosse melhor. Pelo menos teriam água quente.

Afinal, o esquema tinha funcionado com o casal amigo que vivia duas casas abaixo na ilha em que viviam. Ela conseguiu ficar com a custódia dos filhos, com o rendimento mínimo e depois, como fizeram as pazes, o marido foi também para lá viver e tudo acabou bem, na casa nova, agora divorciados e felizes.

Mas, nada correu como previra e agora percebe bem a expressão “o crime não compensa”.

A primeira parte do plano correu como previsto: levou quase um ano e custou-lhe um processo-crime, mas a mulher e os filhos lá conseguiram uma casa da câmara num bairro social que até nem era nada mau.

Claro que tiveram que chegar a vias de facto e ele teve mesmo que lhe bater para ela poder ir à polícia, à medicina legal apresentar marcas de violência e à psicóloga para ser avaliada. Bem lhe custou, mas era por uma boa causa, que justificava os meios: todos iriam viver melhor quando tudo acabasse.

Ainda tentaram desistir do processo-crime, mas não foi possível. Pelos vistos, a lei tinha mudado e o crime de violência doméstica tinha passado a ser público e não permitia a desistência. Restava, no julgamento, a mulher dizer que lhe perdoava e ele mostrar-se muito arrependido. A seguir prestava serviço comunitário durante as férias e tudo ficaria resolvido.

Mas as coisas complicaram-se. A mulher gostou da nova vida, arranjou emprego, começou a adiar cada vez mais a almejada reconciliação e os filhos a afastar-se dele a ponto de, agora, quase o evitarem.

Já receia o julgamento e o depoimento que a mulher e os filhos vão fazer. Continua a viver naquele buraco, e há meses em que não ganha para comer, pagar as contas e a pensão dos miúdos.

Realmente, os modelos não funcionam sempre da mesma maneira e dependem muito de um fator não controlável nem previsível: o ser humano e as suas emoções…