Carlos Pimenta, Jornal i
1. A renda é um rendimento que resulta da cedência temporária do usufruto de um direito de propriedade. Sem trabalho, concorrência, inovação tecnológica, iniciativa empresarial. A sua difusão tende a criar parasitismo social, associando-lhe o Estado. Há, então, um ambiente favorável à corrupção.
Uma “sociedade rendeira”, assente na busca da renda (rent-seeking), revela um pouco empenho na produção de riqueza, muito afã na sua apropriação e distribuição, com forte concentração da propriedade.
Os estudos têm concluído que as economias rendeiras tornam as sociedades poucos eficazes para a construção de um futuro melhor, pouco respeitadoras dos direitos humanos, pouco propícias ao empreendedorismo, insusceptíveis de gerar um desenvolvimento social, humano e ético. Muitas vezes é a explicação da "maldição dos recursos naturais": países com enormes riquezas naturais geram subdesenvolvimento, miséria.
Estudos politicamente validados por instituições internacionais, como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional, ao considerarem que tais países não são credíveis, campeiam de clientelismo e corrupção, assumem, por vezes, formas de cleptocracia. Um ambiente eticamente poluído que cria um espaço de criminalidade, de decomposição do capital social (das relações de confiança na sociedade).
Nós, países capitalistas desenvolvidos, vos excomungamos, oh economias rendeiras, espalhados por mundos (terceiro ou outros) que não aceitamos!
2. Nós, países capitalistas desenvolvidos, somos os herdeiros da revolução industrial, da ciência e da inovação, da razão e da ética, da acumulação de riqueza como nunca existiu em milénios de história. Herdeiros da sociedade contratual prenhe de confiança, dos ciclos virtuosos do desenvolvimento económico.
Mas a tradição já não é o que era! A incapacidade de olhar para o que somos é manifesta.
Novos cavaleiros do apocalipse pelejam, em nome da sagrada liberdade contra a liberdade democrática, e nada será igual ao que era dantes.
3. A crescente importância da banca e dos mercados financeiros na actividade económica globalizada e na apropriação do quotidiano de cada um de nós, a subestimação das actividades económicas produtivas (a que dedicam 1% do seu tempo), e a relevância da economia paralela mudaram, nas últimas décadas, a nossa realidade. Do passado restam as ilusões e o simbólico ideológico.
Stiglitz em O Preço da Desigualdade revela a brutal desigualdade económica e social, em expansão, nos países desenvolvidos, profundamente associada à expansão da economia rendeira. Prática dos mais ricos, interligação entre estes e o Estado, menor concorrência e ética, negligente aplicação das leis, directores executivos e advogados sem escrúpulos, empréstimos predatórios dos bancos e degradação do capital social são alguns dos exemplos apresentados. Conclui "O capitalismo moderno tornou-se um jogo complexo, e os que o vencem têm (…) também ter (…) características (…) menos admiráveis: a capacidade de contornar a lei, ou de moldar a lei a seu favor, a vontade de tirar vantagem dos outros, até dos mais desfavorecidos, e de jogar sujo quando necessário" (99).
O conflito de interesses campeia, a ética escasseia, a fraude e a corrupção alastram-se. O Estado é efeito e causa da degradação.
4. A economia rendeira é o plâncton onde mergulham as nossas vidas. Saibamos observar de forma diferente o nosso mundo.
Para que os mais ricos progridam na sua maratona olímpica os povos caminham no precipício da sua subvalorização e da pobreza.