André Vieira de Castro, Visão on line,

 Apontamentos sobre a economia paralela, onde o  incremento da moralidade fiscal é fundamental 
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Embora ninguém possa voltar atrás e fazer um bom começo, qualquer um pode começar agora a fazer um novo fim.” (Francisco Cândido Xavier)

Vários autores, alguns até bem próximos de todos nós (porque temos nesta área das mais avançadas investigações sobre a medição e descrição algorítmica do fenómeno), têm procurado modelar o comportamento da Economia Paralela, Não Registada (aquela que, por qualquer razão, não é avaliada pela Contabilidade Nacional).

Entendi trazer a este artigo alguns apontamentos sobre o fenómeno, do ponto de vista do senso comum.

Repare-se, desde logo, na quantidade e variedade de epítetos conhecidos: alternativa, debaixo do balcão, marginal, periférica, autónoma, dual, secundária, não exposta, negra, cinzenta, oculta, sombra, não oficial, escondida, submersa, não taxada, clandestina, invisível, paralela, subterrânea, irregular, … e aposto que aos leitores ocorrerão ainda mais algumas sugestões!

Como na fraude, há na definição de Economia Paralela um advérbio que permite desde logo focar a sua análise no interesse. Refiro-me à expressão “deliberadamente ocultada”, que usualmente consta de qualquer definição deste fenómeno.

O ato deliberado não permite segundas interpretações. Há intenção. Há consciência da infração, da irregularidade. Do crime, tantas vezes. Não nos enganemos quanto a este respeito. Apesar de diferentes intensidades, apesar de afastadas motivações, todas as incursões à economia paralela, ainda que tangenciais, representam uma consciente transgressão do cidadão. Nós. Eu.

Aproveitando esta alusão à diferente intensidade, importa dividir a Economia Paralela em 5 grandes grupos, com motivações, explicações e impactos diferentes na economia como um todo:

  1. Produção Ilegal
  2. Produção Oculta
  3. Produção Informal
  4. Produção para autoconsumo
  5. Produção encoberta por deficiência estatística

A produção ilegal é aquela que concebe tradicionalmente a maior censura social. Equivale à produção de bens e serviços cuja venda, distribuição ou posse é ilegal. É seguramente não contabilizada estatisticamente e há clara intenção, dolo, consciência e prejuízo para as vítimas. Para efeitos meramente formais, importa esclarecer que, no limite do absurdo, se uma atividade ilegal (vamos ao caso limite, tráfico de estupefacientes) estiver a ser englobada fiscalmente (vamos admitir que os dealers teriam o cuidado de se fazer acompanhar de terminais móveis de faturação…), neste caso esta atividade deixaria de ser economia não registada, paralela. Manter-se-ia o problema da ilegalidade, mas não o do não reporte estatístico.

A produção oculta, subdeclarada ou subterrânea, engloba o que mais comummente é associado à economia paralela. É a atividade do “Caixa B”, como em Espanha se referem a este fenómeno. É a ocultação de parte da atividade para limitar a fiscalidade no negócio. É a “faturação por fora”. Mantém-se total consciência da ilegitimidade e ilegalidade da atuação, tanto de fornecedor como de cliente, mantém-se o dolo na atuação de uns e outros. A vitimização é porém um processo difuso. A vítima é o contribuinte, pela diminuição da arrecadação fiscal. A censura social é muito menor do que na produção ilegal, porque todos temos “telhados de vidro” e sentimo-nos muito menos cómodos na censura. Aqui entra a nossa consciência fiscal. E para melhorar a nossa consciência fiscal, para a estimular, podemos agora até ganhar um automóvel! (vide sorteio da Autoridade Tributária como forma de incentivo à formalização desta produção oculta).

A produção informal engloba as atividades de subsistência e sobrevivência. A biscatagem. Sendo certo que enferma de muitas ilegalidades, nomeadamente fiscais, e que causa algum alarme social (a clássica censura do biscateiro que não só evita a tributação do seu rendimento como tantas vezes se faz acumular de subsídios e afins…), a sua importância no total parece ser proporcionalmente menor do que o alarme social parece antecipar.

Com efeito, as atividades ilegais e ocultas representam uma fatia enorme da economia não registada, com um efeito devastador na arrecadação fiscal e no equilíbrio do sistema social.

Resta ainda a produção para autoconsumo (onde até a tipificação da intenção parece nem sempre existir - referimo-nos à produção para uso próprio, por exemplo) e a produção que não é registada por deficiência estatística (resíduo econométrico, dispensável para este raciocínio de senso comum).

As principais determinantes da Economia Paralela parecem ser, portanto, o nível de fiscalidade, a moralidade fiscal, a qualidade das instituições públicas e do seu serviço, a regulamentação do mercado de trabalho, o nível de democraticidade, o nível de desemprego, a corrupção, a indisponibilidade de bens e serviços no mercado formal, … mais uma vez fica o apelo ao leitor: aceitam-se sugestões de mais fatores que determinam um maior ou menor grau a Economia Paralela.

Fig01A Economia Paralela parece viver deste círculo vicioso. Nós é que o alimentamos, nem sempre conscientes da imparável rotação deste mecanismo…

A crescente fiscalidade parece “promover” o trabalho paralelo, a ocultação de receitas, fazendo diminuir a arrecadação fiscal e trazendo superior pressão sobre a economia legal.

A perceção de que o esforço não compensa (a moralidade fiscal da sociedade vai-se degradando) causa menor censura facilitando a economia paralela, verificando-se então a clássica expressão popular “Mais uma ficha… mais uma volta!”.

O incremento da moralidade fiscal é chave neste combate.

O pragmatismo que o atual governo implementou com a iniciativa “Fatura da Sorte” pode ser criticado por vários fatores ligados à forma da iniciativa. Mas na substância o que está em causa é conseguir impedir que este ciclo se renove. É duro percebermos que se não nos pagarem ou prometerem prémios não conseguimos, como sociedade, encontrar estímulo suficiente para emperrar esta máquina poderosa.

Mas volto onde já passei. Fazemo-lo porque somos cúmplices.

Ou não?

E assim vai o mundo…