Miguel Negrão Valente, Visão on line,

Parece que a corrupção é criminalizada mas despenalizada
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Ao iniciar recentemente a minha actividade profissional como Advogado, deparei-me com a normal necessidade de escolher uma entidade bancária, parceira na administração e gestão do escritório.

No processo de escolha e perante praticamente idêntica oferta de serviços, tornou-se evidente a prevalência do critério da confiança. A confiança em mim depositada pelos clientes, têm de traduzir-se no uso do sistema bancário, nomeadamente para a correcta administração de provisões, honorários, etc. Foi quando analisava esse aspecto da confiança, que me surgiu o nome BPN, como exemplo ultrapassado daquilo que procurava...

De facto, em que outro banco se verifica ou verificou  uma relação de confiança tão aprofundada! Parecia mesmo que esta era considerada vector basilar da actuação do banco, ao ponto de ser cega... Senão vejamos, o cliente tinha a certeza que podia depositar e realizar todo o tipo de operações que pretendesse sem ser questionado acerca da proveniência dos rendimentos e sobre outros factos incómodos, contando ainda com a sugestão sobre produtos e serviços altamente rentáveis. Por seu lado a instituição dispunha da confiança do cliente para a aplicação dos fundos. Os ganhos foram mútuos, o risco inexistente, alicerçado e diluído no grande fiador, os contribuintes. Deu para todos, pequenos empresários, comerciantes, profissionais liberais, políticos, grandes sociedades e grupos empresariais.

Numa visão mais fantasista, com um banco à imagem do BPN, já me imaginava a explorar a vertente de negócio ligada aos Offshores, a chegar ao fim de mais um dia profícuo de trabalho e poder finalmente descontrair no bar da moda, o “Red Flag”, deliciando-me com um “honey laundering”, o meu cocktail preferido. A única chatice seria mesmo ter que me filiar num partido político do arco do poder, liquidar as quotas e ter que pagar uma conta elevada no leitão da Bairrada.

O padre António Vieira dizia, falando para aqueles que impedem a corrupção, “Vós que sois sal na terra”. Contudo, sucede que em casa dos portugueses, à semelhança do que acontece na cantina de S. Bento, há muito que se anda a cortar no sal e a tendência não parece mudar. Pelo que se observa continua-se a aplicar perfeitamente ao assunto da corrupção a famosa expressão do Prof. Marcelo em relação ao tema do aborto, isto é, parece que a corrupção é criminalizada mas despenalizada.