Glória Teixeira & Ary Ferreira da Cunha, Visão on line,

Tornar o combate à corrupção num foco central da agenda política e mediática
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O café é local de debates, de conspirações e intrigas, de poesia e de jogos de xadrez, de convívio entre amigos e entre desconhecidos. A ideia, propagada em especial pelo filósofo George Steiner, pode dever mais ao mito que à realidade, mas os cafés – ou alguns cafés – continuam a ser pontos nevrálgicos da discussão pública em que as esferas do público e do privado se tocam; em que entre o bebericar do café e o desfolhar do jornal – ou da Visão – se vão comentando as notícias do dia e discutindo sobre o que se passa. Estas conversas tendem portanto a seguir de perto a agenda mediática – a ida do Eusébio para o Panteão, o referendo à co-adoção, a praxe – e tornam-se em formas importantes de formação de opinião sobre estes temas.

Ora estas conversas de café acabam frequentemente por ir parar ao tema da corrupção. Tal poderia ser uma excelente oportunidade para tornar o combate à mesma num foco central da agenda política e mediática, mas acaba a maior parte das vezes por se tornar num exercício estéril de ataque aos políticos e aos partidos. Discutem-se muitos rumores, insinuações e supostas fugas de informação, mas poucos dados concretos e sobretudo poucas respostas para o problema: o que está e deveria estar a fazer o país para combater a corrupção? Faz sentido um crime de enriquecimento ilícito? Deveríamos unir a prevenção e combate à corrupção numa mesma instituição? Com que poderes e garantias de independência? Faz sentido incluir o combate à fraude e corrupção no contexto da formação cívica feita  nas escolas? Que iniciativas da sociedade civil poderiam ajudar a combater a corrupção? Rankings das cidades mais e menos corruptas? Como poderíamos tornar os orçamentos dos partidos mais transparentes? A que regras de transparência na gestão de conflitos de interesse deveriam estar sujeitos os autarcas?

Esta situação é difícil de resolver porque uma discussão pública assente em propostas é frequentemente o resultado de notícias relatando debates políticas assentes em propostas. Se os responsáveis políticos raramente apresentam propostas não como inevitabilidades, mas como escolhas – por muito condicionadas que estas sejam – fundamentadas entre diferentes alternativas, analisadas com base em factos e valores, essa discussão dificilmente existirá na sociedade civil. Mas, por outro lado, se esse debate não existir na sociedade civil não há incentivos para ter essa discussão política. É mais fácil tratar os portugueses como burros e vender-lhes inevitabilidades e acusações, com a ideia de que “para quem é bacalhau basta”, e no caso da corrupção é além do mais conveniente nem apresentar muitas propostas, não vão elas incomodar alguns grupos de interesse. Sem motivos para ter uma discussão mais profunda e mais assente em soluções, Portugal continua sem uma estratégia de combate à corrupção, como o voltou a repetir a Comissão Europeia ainda há dias num importante relatório sobre o tema.

A academia, os meios de comunicação e as organizações do terceiro setor podem ser peças fundamentais para resolver este bloqueio. Juntas podem têm a capacidade para elaborar, debater e dar a conhecer propostas de combate à corrupção aos portugueses, pressionando os decisores políticos a adotar boas ideias que nasçam desse debate ou a desenvolver alternativas melhores. Em conjunto estas instituições têm o conhecimento, os recursos e o acesso ao público necessários para quebrar o ciclo vicioso entre má discussão política e má discussão pública; entre maus debates no parlamento e más conversas de café. Mas para isso precisam de apostar no estabelecimento de redes de contactos e de se desafiarem mutuamente para responder ao desafio de despertar uma sociedade civil para melhores conversas de café, nas quais se vão reforçando consensos sobre o que queremos fazer para combater a corrupção, que tipo de país queremos ser e como lá vamos chegar. Isto ajudaria não só a desenvolver não uma estratégia de combate à corrupção com o apoio que estas estratégias frequentemente necessitam de ter, mas ensaiaria também caminho para a formulação de uma estratégia nacional mais vasta capaz de dar um rumo de longo prazo a um país à deriva, refém crónico das inevitabilidades.