Óscar Afonso, Jornal i

É claramente estranho que não exista uma agência portuguesa de combate à corrupção, tribunais especializados, legislação adequada sobre conflitos de interesses

Corrupção corresponde à deterioração ou quebra de um estado funcional e organizado, que conduz ao uso de competências legisladas para fins privados ilegítimos. As formas variam, mas incluem o suborno, a extorção, o fisiologismo, o nepotismo e o clientelismo. Varia também a incidência entre países, sendo maior em economias pobres. É ainda consensual que potencia a ineficiência do sistema legal, gera instabilidade política e penaliza o crescimento económico.

A preocupação reside essencialmente na sua influencia sobre a economia, na medida em que promove despesas improdutivas, desvia recursos essenciais, afecta direitos de propriedade, penaliza trocas económicas, influencia a previsibilidade e os retornos do investimento, gera desigualdade de oportunidades, frustação e instabilidade sócio-política.

Pode ser centralizada/organizada ou descentralizada/desorganizada. No primeiro caso, o crescimento económico tende a ser menos penalizado porque a “fatia” desviada depende do tamanho da riqueza produzida. No segundo caso, cada corrupto é pequeno para afectar o tamanho da economia, pelo que o crescimento económico tende a ser mais penalizado.

Quando a corrupção generalizada é centralizada, o controle da elite abre o campo para o abuso de poder, a fraude, o desvio de fundos, o branqueamento de capitais, os conflitos de interesse, o uso de informação privilegiada, a desregulação e o enfraquecimento do estado; no limite, coloca em causa a organização social democrática existente. Quando a corrupção generalizada é descentralizada, a probabilidade de alguém ser “apanhado” e processado é igualmente baixa, porque é difícil punir alguém quando toda a sociedade faz o mesmo, porque a detecção não tem o mesmo estigma social que numa sociedade livre de corrupção, porque políticas que visam o fortalecimento das instituições são mais propensas a serem bloqueadas, porque, sem protecção efectiva, o denunciante acaba por ficar entregue a si próprio e porque a confiança no sistema político, nas instituições e nos líderes fica enfraquecida. No fundo e em suma, frustação e apatia geral entre a desilusão do resultado público e a sociedade civil desvigorada mantem a corrupção. A este propósito, refira-se que, em Portugal, os poucos processos de corrupção em tribunais têm baixíssimas taxas de condenação.

Torna-se assim imperioso configurar instituições que reduzam as oportunidades de corrupção. Em democracia há pelo menos quatro elementos que ajudam nessa redução: (i) a eleição periódica, que reduz o risco de maus políticos; (ii) a separação de poderes; (iii) a transparência no processo de tomada de decisão e no investimento público; e (iv) uma sociedade civil forte.

Ao afectar o nível de corrupção, as instituições são pois fundamentais para explicar diferenças no desempenho económico dos países. Neste contexto, seria de esperar um investimento permanente na melhoria do quadro institucional. Entende-se que seja difícil porque os recursos são escassos e porque as instituições são o resultado de escolhas sociais que, por sua vez, resultam de um jogo complexo entre os grupos da sociedade. No caso português a dificuldade aumenta porque acresce a manifesta falta de vontade da elite para qualquer reforma. É claramente estranho que, pelo menos, não exista uma agência portuguesa de combate à corrupção, tribunais especializados, legislação adequada sobre conflitos de interesses, e códigos de conduta para membros e gabinetes do governo, partidos políticos, sistema judiciário, policias e empresas de comunicação social.