José António Moreira, Visão on line,

Manipulação dos resultados tem por base atuações dentro da legalidade contabilística.
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Falar de manipulação dos resultados tende a levar o cidadão comum a imaginar esquemas tortuosos, golpadas terríveis, malas de dinheiro a serem transportadas altas horas da noite por sujeitos de feições tenebrosas movendo-se em espaços pouco ou nada iluminados …

Não se exclui liminarmente que este imaginário (cinematográfico) possa ter alguma aderência à realidade. Mas será sempre em casos muito particulares, sobretudo situações de fraude. No geral, aquilo que se denomina como “manipulação (ou gestão) dos resultados” tem por base atuações dentro da legalidade contabilística, usando a flexibilidade permitida pelas normas para “melhorar” os resultados (positiva ou negativamente, consoante o incentivo presente) por via de transferências de resultados entre períodos. Veja-se uma ilustração concreta.

O contexto: o casal tinha contratado um desses “empréstimos por telefone” há bastantes anos. Durante muito tempo foi pagando as prestações, mas com os cortes nas pensões e, verdade seja dita, muito descontrolo nos gastos pessoais, passou a incumprir o pagamento. Os sucessivos avisos mensais do banco para que regularizasse as prestações em atraso não produziram qualquer efeito.

O ultimato: chegou em meados de novembro, sob a forma de um ofício. Indicava o montante da dívida, referia que esta transitara para contencioso e indicava o final de dezembro como data-limite para a respetiva regularização não judicial, prazo que a cumprir-se daria direito a um desconto de 40%. O expetro da penhora das reformas levou o casal, finalmente, a expor o caso à família. A reunião dos fundos implicava a ultrapassagem do prazo dado, pelo que a instituição foi previamente foi contactada no sentido de o estender para janeiro, o que foi aceite.

A surpresa: a reunião fora previamente agendada. O representante do banco começou por relembrar o montante em dívida a pagar para resolver o contrato de empréstimo. Uma surpresa para o casal e seus acompanhantes: era exigido o pagamento do valor total da dívida. À pergunta óbvia “e o desconto de 40%?”, o jovem jurista explicou que isso deixara de ter aplicação porque a dívida não fora liquidada em dezembro. E explicou, de forma pausada: “como compreendem, temos contas anuais a prestar à casa mãe [um banco estrangeiro] e, nesse contexto, tínhamos interesse em ter recebido esse montante em dezembro. Agora não temos. E não garanto que no final do corrente ano esse interesse se venha a renovar”.

O que fora exposto em breves palavras era a intenção (gorada) da instituição financeira de aplicação de uma das técnicas vulgarmente usadas pelas empresas para manipularem os resultados do período: escolher o “tempo de ocorrência da transação”. No caso concreto, passava por antecipar o recebimento de modo a que este caísse no ano, contribuindo para alavancar resultados que se esperavam “débeis”. Se pensarmos em todos os empréstimos, e em todas as filiais dessa casa mãe, uma atuação mais ou menos generalizada do tipo referido iria, certamente, aumentar de forma assinalável os resultados do grupo no período. O risco desta atuação para os investidores da instituição é o de tornar os resultados não informativos quanto ao futuro, quanto aos resultados que se espera ela possa vir a gerar. Com efeito, os resultados que são antecipados, por via de procedimentos como o descrito, correspondem a resultados que deixam de fazer parte do período seguinte, criando uma espécie de “buraco” nesse último período, que será necessário “tapar”. Este tipo de atuação que, repete-se, ocorre dentro da mais estrita legalidade, pode ser o embrião de futuras atuações fraudulentas. Estas, sim, ilegais.

Epílogo: Face à situação, o casal “jogou todos os trunfos”. Propôs pagar a pronto a dívida com desconto de 40% ou, alternativamente, não efetuar qualquer pagamento, deixando que a instituição seguisse a via judicial para reaver o montante total. O banco, alguns dias depois, aceitou a primeira proposta.