António João Maia, Jornal i
As notícias, mais ou menos frequentes, de distinção do valor e do mérito dos portugueses por esse mundo fora são sempre ocasiões que nos deixam cheios de orgulho nacional…
Foi o que aconteceu recentemente com a entrega da “bola de ouro” – trofeu que distingue anualmente o melhor jogador de futebol do mundo – a Cristiano Ronaldo. Ao “nosso” Cristiano Ronaldo, como orgulhosamente muitos afirmam, evidenciando que, enquanto portugueses, a distinção é também sua… Este trofeu tinha sido já atribuído anteriormente ao mesmo jogador (2008), ao Luis Figo (2000) e, em 1965, a Eusébio, provocando invariavelmente as mesmas reações… Ainda no futebol, uma referência a José Mourinho, pela forma como, além-fronteiras se tem destacado entre os melhores treinadores do mundo.
No âmbito da psicologia e das neurociências, encontramos nomes como António Damásio, recentemente distinguido com o prémio Grawemeyer 2014, ou Rui Costa, distinguido pelo Conselho Europeu de Investigação com um financiamento de dois milhões de euros, ambos com investigação científica realizada nos Estados Unidos. Na gestão, o nome de António Horta-Osório, Presidente do Lloyds Bank, um dos maiores grupos bancários do mundo, sedeado em Inglaterra, ou, na cultura, José Saramago, Prémio Nobel da literatura em 1998, que, por uma questiúncula politica ligada à edição de uma das suas obras, optou por viver os últimos anos de vida em Lanzarote.
São apenas alguns dos muitos exemplos que temos, nas mais diversas áreas, de portugueses bem-sucedidos, com provas dadas ao nível do que de melhor se faz no mundo. Estes nossos compatriotas apresentam invariavelmente um outro traço comum, que é o de terem singrado além-fronteiras. E este pormenor suscita uma questão: serão eles pessoas de outra dimensão, com capacidades acima da média dos demais portugueses, ou simplesmente o êxito das suas carreiras foi e tem sido possibilitado precisamente porque encontraram noutros países, noutras culturas as oportunidades que o permitiram?
Julgo que, sem descurar a possibilidade de existência de traços de personalidade que ajudem a explicar os seus êxitos, o elemento mais importante seja precisamente o do contexto cultural onde se apresentem e explorem as oportunidades para se mostrar valor e mérito. E estas oportunidades não são iguais em todas as culturas.
Se há coisa que a antropologia afirma é a de que não existem sociedades perfeitas, nem sociedades melhores ou piores. Há sim modelos de organização social e cultural distintos, que resultam da sedimentação milenar das formas de adaptação e organização dos humanos a um determinado contexto espacial.
Nós, os portugueses, não somos diferentes dos outros seres humanos. Temos as mesmas potencialidades e fraquezas. Porém o nosso padrão cultural não deixa muito espaço para revelarmos o potencial natural de cada indivíduo, sobretudo quando se trata de inovação. Somos tendencialmente autocríticos, sobretudo relativamente a coisas novas, que coloquem ou possam colocar em causa a lógica de realidade existente, o “sim, mas…”. Este contexto crítico, que na maior parte das vezes não é frontal, é perverso, inibe-nos da exposição perante os outros, empurra-nos para o conformismo com a realidade existente, tolhe-nos sem que a consigamos questionar, empurra-nos para a apatia e para a circularidade das ideias, dos discursos e das práticas, retira-nos o espaço necessário para mostrarmos e darmos asas a novas formas de ler e modelar o mundo…