José António Moreira, Jornal i
Com o rato do computador deslocou a imagem, lentamente. Tornou visível a parte de cima, parando no primeiro “patamar” por breves momentos. Mais uma ligeira deslocação, nesse “striptease”, rumo ao segundo “patamar”. Sentia tensão na cara nos presentes, olhos no ecrã, seguindo a imagem projetada e a dimensão dos volumes. Não houve muito tempo para assimilar este novo “patamar”. A imagem começou novamente a deslocar-se e o terceiro e último “patamar” apareceu na sua nudez, ostensivamente, perante os olhos admirados. Um “Oh!” suave sobreveio. Um “Oh!” em tom menor, espelhando estupefação.
As palavras até então tinham estado ausentes, por desnecessárias. A dimensão dos argumentos, em cada “patamar”, falava por si. O silêncio prolongou-se por segundos. Mas era apenas uma questão de tempo até que um dos presentes o rompesse. E isso aconteceu. O professor escutou atento. Agradeceu a pergunta e avançou com a resposta, para toda a turma.
“Quem vai pagar é o Estado português, ou seja, todos nós.” – disse, enquanto puxava a imagem para cima. “Como viram, neste primeiro nível da demonstração dos resultados, a empresa está quase em equilíbrio … mas não se incluem as depreciações. Em 2011 obteve um valor positivo, ainda que pequeno; em 2012, um valor ligeiramente negativo … se se admitir que é ‘ligeiro’ um montante de 4 milhões de euros. O problema começa a agravar-se a partir daqui …” – e deslocou a imagem, de modo a tornar central o segundo “patamar”. “Juntando o custo com o desgaste das viaturas e instalações, os números pioram. O resultado operacional é negativo em mais de 10 milhões. E o pior está para vir … Vejam o montante dos juros da dívida … isto atira o prejuízo anual para mais de 73 milhões. E a estrutura da demonstração dos resultados da STCP – Sociedade de Transportes Coletivos do Porto não é caso único. Ela espelha o padrão ao nível das empresas de transportes.”
“Porquê esta situação se o preço dos transportes já é caro?!” – repetiu o professor a pergunta da aluna, naquele seu tique de tornar a mesma audível para todos os presentes. “Pode ser que os bilhetes não sejam suficientemente caros, ou que os transportes públicos sejam subutilizados. Mas, acima de tudo, o problema deste tipo de empresas está nos elevados níveis de endividamento, que geram enormes montantes de juros … consubstanciando um círculo vicioso.”
As perguntas sucederam-se, as respostas foram dadas com a clareza necessária a possibilitar a alunos recentemente chegados aos bancos da Faculdade a compreensão da informação financeira da empresa e da sua envolvente macroeconómica. O assunto motivara mais questões do que o esperado. A aula estava a terminar. O professor aceitou ainda mais uma. “Agora a ‘troika’ vai embora e a austeridade vai acabar. Nunca mais se vai pagar esta dívida, pois não?” – perguntou um aluno, do fundo da sala.
Um silêncio breve sobreveio, enquanto o professor procurava, mentalmente, uma resposta simples para uma pergunta complexa. Como explicar aos alunos a demagogia dos políticos que, enganosamente, fazem crer aos cidadãos que o fim do programa de ajuda financeira significa o voltar ao passado, e não apenas um ponto de passagem numa continuidade? Como lhes fazer compreender que a dívida pública crescente irá ter de ser paga, mais tarde ou mais cedo, pela sua geração e seguintes?
“Cada um vai pensar nesta questão. Amanhã começaremos a aula discutindo respostas possíveis. Tenham a continuação de um bom dia.” Deu a aula por terminada. Respirou. Teria um dia pela frente para encontrar forma adequada de dar as más notícias.