João Pedro Martins, Jornal i
Estive a reler o programa do XIX Governo Constitucional que tomou posse em 21 de junho de 2011. As palavras “transparente” e “transparência” aparecem 27 vezes ao longo do documento.
Este governo, que prega o rigor e a transparência, gosta de pisar os terrenos da inconstitucionalidade sempre que submete à Assembleia da República a aprovação da Proposta de Lei do Orçamento do Estado. É uma relação de masoquismo político com os portugueses quando o primeiro-ministro sabe à partida que vai ter o chumbo do Tribunal Constitucional.
Mas este é também um governo fora da lei porque viola, por omissão, a própria Lei do Orçamento do Estado quando deveria ter publicado a lista nominal de todos os sujeitos passivos de IRC que em 2012 usufruíram de benefícios fiscais.
A transparência fiscal é um instrumento fundamental no funcionamento da democracia e é um direito dos contribuintes, eleitores e cidadãos. Mas a transparência fiscal é também um dever do Estado, previsto no art.º 120 da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, que introduziu um aditamento ao Estatuto dos Benefícios Fiscais (art.º 15.º-A), obrigando a divulgação da sua utilização: “A DGCI (atual AT) deve, até ao fim do mês de setembro de cada ano, divulgar os sujeitos passivos de IRC que utilizaram benefícios fiscais, individualizando o tipo e o montante do benefício utilizado”.
Esta lista deveria incluir as empresas-fantasma virtualmente instaladas na Zona Franca da Madeira que têm poupado milhões com o regime de bonificação fiscal vigente neste bordel tributário e viveiro do crime organizado, onde as máfias russas, italianas, espanholas e angolanas lavam dinheiro perante o silêncio das autoridades nacionais que assistem à permanente violação do art.º 38.º da Lei Geral Tributária.
Com a não publicação da lista até 30 de setembro de 2013, o governo passou a estar fora de prazo no que diz respeito ao cumprimento da Lei do Orçamento do Estado que submeteu e foi aprovada na Assembleia da República, ao mesmo tempo que promove a batota fiscal com a fuga legal aos impostos, tratando os contribuintes cumpridores como parvos fiscais.
Hoje os contribuintes sabem que cumprir a lei tributária é uma exigência apenas para alguns porque de quatro em quatros anos assistimos a um novo perdão fiscal para os infratores que regularizem as suas dívidas ao fisco.
O governo que em nome da austeridade tem aumentado fortemente a carga fiscal sobre os cidadãos e que tem garantido que será implacável no combate à fraude e evasão fiscais, não pode continuar a tratar os contribuintes com dois pesos e duas medidas. Para uns é implacável, enquanto para os ricos e poderosos é cego, surdo e mudo, e ainda usa de clemência plurianual.
Precisamos de um Estado corajoso. De ministros que escolham a justiça em detrimento do pagamento de favores políticos. E já agora de dirigentes de topo que prestem serviço público com qualidade e transparência, em vez de serem o tapete daqueles que usam e abusam do Estado e não querem pagar o que devem.
O governo até pode vender o BPN a preço de saldo e transferir capitais para as elites corruptas que capturaram a economia e poder político. Mas o governo não pode obrigar os contribuintes a serem o Banco do Estado, sobretudo numa altura em que mais importante do que salvar a banca e os amigos é preciso salvar as pessoas.