António João Maia, Jornal i

O quadro, já quase perdido, baseado na certeza da estabilidade emocional e económica, está a dar lugar a outro, mais baseado na incerteza

Se há algo que a realidade do mundo nos tem mostrado, por estes dias que atravessamos, é que tudo se desenvolve de forma muito célere e em particulares contextos de profunda incerteza.

Tal como em certo sentido já referíamos neste mesmo espaço há sensivelmente um ano, em Tempos de Incerteza (http://obegef.pt/wordpress/wp-content/uploads/2013/01/I_Fraude210.pdf), “o modelo que começa a delinear-se assenta numa incerteza permanente, geradora de cenários de instabilidade nas expectativas de vida, sobretudo para as gerações futuras” e denota cada vez mais não ser transitório nem conjuntural, mas sim estrutural, enquanto princípio de organização da vida das pessoas e das sociedades, em particular no mundo ocidental.

Tal como os anteriores, este modo de organização que está a emergir, virá, de forma gradual e a seu tempo, a induzir alterações mais ou menos profundas no quadro de valores culturais, no pulsar das sociedades, nas relações entre as pessoas, em todas as dimensões do viver dos homens…

Em termos mais concretos e ao nível da vida dos sujeitos, podemos traduzir este princípio da incerteza por duas ideias:

- Uma subjetiva, ao nível dos afetos, traduzida por uma procura incessante de relações afetivas fortes, associadas a uma frequente construção e reconstrução (incerteza) das relações entre as pessoas, com alterações sobre o modelo e a noção de família, que tende a ser assumida, em cada momento, como aqueles com quem se está relacionado;

- Outra objetiva, ao nível profissional, traduzida por alguma precaridade (incerteza) resultante de relações contratuais para tarefas determinadas, com termo certo e em locais diversos, por vezes fora do país de origem;

O quadro, já quase perdido, baseado na certeza da estabilidade emocional e económica – uma família, um trabalho e um salário para a vida – gerador de um conjunto de expectativas que conferiam um elevado grau de previsibilidade relativamente ao futuro, está a dar lugar a outro, mais baseado na incerteza (um pouco como nas situações de fraude, de atuações desconformes com as expectativas), gerador de maiores índices de ansiedade individual e coletiva, em si mesmas capazes de induzir maior tensão social.

Nesse futuro – que para muitos jovens é já o presente – os momentos de alguma aparente estabilidade, resultantes de relacionamentos afetivos e profissionais estáveis, serão marcados pela possibilidade de, a todo o tempo, se sucederem contextos de instabilidade, quer por perda das relações afetivas (novos relacionamentos mais intensos levam à quebra dos anteriores), quer por perda da ocupação profissional, com a consequente quebra financeira, quer por perda de ambas, em simultâneo ou de forma desfasada, mas sempre – sempre! – a determinar um quadro permanente de incerteza, de instabilidade, de inquietação…

Esta mudança do modelo de vivência requererá que os sujeitos se ajustem ao seu funcionamento. Todavia, como sempre sucedeu ao longa da história, o homem será naturalmente capaz de se ajustar a essa realidade – a realidade do seu tempo – de modo a conseguir encontrar nela os estilos e padrões de vida mais adequados, tanto individual como coletivamente, embora talvez com vidas mais dinâmicas, mais cheias de desafios, e, nesse sentido, com uma maior intensidade na vivência de cada momento, de cada experiência…

Para finalizar, desejo a todos um excelente ano 2014!