Nuno Gonçalves, Visão on line,

Estaremos de facto a combater a evasão fiscal com esta medida? Serão as medidas não-punitivas as melhores para abordar o fenómeno?
O Orçamento de Estado para 2014 permite ao governo a elaboração de um sorteio específico para a atribuição de um prémio às pessoas singulares com um número de identificação fiscal associado a uma factura comunicada previamente à Autoridade Tributária. Esta medida, segundo o art.º 228 da Proposta de Lei 387/2013, visa “a prevenção da fraude e evasão fiscais, valorizando a atuação dos cidadãos na exigência de fatura comprovativa da existência de uma operação tributável localizada em território nacional”. Contudo, a lei parece usar um conceito de evasão fiscal demasiado lato que pode colocar em causa a eventual eficácia e eficiência da medida face ao objectivo proposto. Estaremos de facto a combater a evasão fiscal com esta medida? Serão as medidas não-punitivas as melhores para abordar o fenómeno?

Dada a diversidade de categorias de impostos que existe na economia, pode haver evasão fiscal em qualquer uma destas. A medida que está em causa visa sobretudo o combate à evasão fiscal no IVA e essencialmente em pequenos e médios negócios. Para este tipo de evasão fiscal e nas circunstâncias sociais em que se insere (uma sociedade com propensão a não pedir factura e a não denunciar casos de fraude e evasão fiscal), medidas não punitivas tendem a ser algo eficazes. Todavia, há que salientar alguns aspectos perversos da medida. Por um lado, como se trata de um “sorteio”, quem pede mais facturas tem maior probabilidade de “ganhar”. Se todos os indivíduos pedirem factura de igual forma, acumulam mais facturas (ou de valor superior) aqueles que consomem mais e que, em princípio, são aqueles que auferem um maior rendimento. O sistema tributário pode assim introduzir involuntariamente uma distorção na função redistribuição da riqueza (ainda que de menor expressão). Por outro lado, se emitir é obrigatório e pedir factura se trata de um dever cívico, esta medida estará a premiar um comportamento que deveria ser a norma e introduz o incentivo perverso de pedir factura apenas pela probabilidade de um benefício material – “ganhar o jogo”.

A questão de maior relevo prende-se com a eficiência da medida, isto é, se o esforço e recursos alocados para o combate a esta forma de evasão fiscal conseguem reduzir o fenómeno como um todo e gerar maior retorno fiscal. São vários os estudos que identificam, no âmbito da OCDE, que a fuga ao fisco tende a ser maior quanto maior é a organização e os recursos que esta (ou que um indivíduo) possui para planear a melhor forma de pagar menos impostos. Portugal insere-se na realidade dos países da OCDE. Assim, num primeiro patamar, são identificados os profissionais liberais que têm maior facilidade e vocação para a não declaração de parte dos seus rendimentos – evasão fiscal também no IVA, mas sobretudo no imposto sobre rendimentos. Apesar de serem em número mais reduzido do que as pequenas empresas, muitas vezes movimentam um volume de negócios bastante superior.

Todavia, é nas grandes empresas, principalmente com negócios além-fronteiras, que a grande parte da evasão fiscal tende a proliferar. Estas são as que têm maiores recursos para estudar a legalidade e ilegalidade das movimentações financeiras que permitem o planeamento fiscal agressivo, gestão de preços de transferência entre empresas associadas, transferência de capitais e por vezes da própria sede para paraísos fiscais. É nestes casos que podemos falar de evasão fiscal de forma global, pois a fuga dá-se em quase todos os tipos de impostos.

Claro está que a medida proposta não visa estes dois grupos que acabaram de ser referidos, em especial o segundo. Assim, observamos um esforço acrescido do sistema tributário para alcançar uma parcela menor da realidade que é a evasão fiscal. Porém, o esforço não é de descorar de todo, uma vez que o alvo que a medida tenta atingir deve ser combatido. Não seria, contudo, prioritário se o objectivo fosse verdadeiramente a evasão fiscal como um todo, o que faz ponderar se esta não será mais uma medida de “propaganda política”, atacando os alvos mais fáceis mas sem expressão em termos de combate à fuga ao fisco. A grande evasão fiscal não é combatida com “sorteios” ou outras medidas não punitivas.