José António Moreira, Jornal i

Pela sua fidelidade como cliente de há largos anos desta empresa, a mensalidade da sua subscrição do serviço de internet e voz será reduzida em dez por cento. Aceita?
...

Aprestava-se para abrir a porta e sair quando o telefone tocou. Voltou atrás e atendeu. Do lado de lá uma voz masculina:

– Boa tarde. O meu nome é …, e estou a ligar da OPT. Estou a falar com o sr. …?

– Sim, o próprio.

– Boa tarde. Estou a ligar para o informar de que, pela sua fidelidade como cliente de há largos anos desta empresa, a mensalidade da sua subscrição do serviço de internet e voz será reduzida em dez por cento. Aceita?

Fora tudo tão repentino que o seu cérebro ficou alguns milésimos de segundos a processar a informação … “desconto” … “desconto” …

– Sim, está bem …

– Muitos parabéns. A sua mensalidade será reduzida em dez por cento. Ir-lhe-emos mandar informação sobre esta promoção.

– Está bem. Fico a aguardar.

A chamada terminara. Pegou no casaco e saiu. Na viagem, ao volante, questionou-se sobre a necessidade da OPT lhe remeter informação sobre o desconto. “Talvez seja para cumprir alguma obrigação fiscal, talvez para controlo interno”, pensou.

Dois dias depois a dita informação chegou, por correio electrónico. Confrontou-se com a sua própria inocência. Leu a mensagem duas, três vezes. Não queria acreditar. “Agradecemos a sua preferência pelos nossos serviços. Confirmamos a atribuição de um desconto exclusivo de 10% na sua mensalidade de Voz e NET. Esta promoção é válida durante 12 meses. Relembramos que a oferta pressupõe um período de fidelização de 12 meses do seu serviço [OPT].

Disse um palavrão, feio. “Como é que me podem ‘relembrar’ da fidelização se antes não disseram uma palavra sobre o assunto?”, pensou em voz alta. “Sacanas!”

Pegou no dicionário. Desfolhou e confirmou o que pretendia:

“Dolo (latim dolus, -i, sagacidade, esperteza, manha, engano, erro, falta). substantivo masculino: a. Artifício fraudulento; b. Engano; fraude.”

Encaixava no comportamento da OPT: agira com dolo, tentara enganá-lo. Disse isso mesmo na carta que escreveu à operadora. Veementemente declinou os dez por cento da promoção e informou que iria cessar o contrato a muito breve prazo.

Um amigo a quem contou o sucedido sorriu ao ouvir a história.

– Deixa-te de coisas. As outras operadoras fazem o mesmo ou pior.

Ele não estava interessado em saber o que as outras faziam ou deixavam de fazer. Não conseguia sequer pensar em ficar ligado a uma empresa em quem deixara de confiar. Nem que tivesse de pagar mais pelo serviço, mas iria ser noutro operador.

Passados dias, mais calmo, deu uma volta na Internet, pelo mundo das reclamações e queixas relativas a serviços de telecomunicações. O amigo estava certo. Não havia operadoras inocentes. Sentiu-se como se estivesse preso num labirinto, sem saber por onde escapar. Mas, apesar do transtorno com a escolha e mudança de operadora, era para si uma questão de princípio não continuar ligado a uma empresa que o tentara enganar.

Quando reencontrou o amigo deu-lhe conta da sua intenção de procurar uma alternativa:

– Sabes, a concorrência entre empresas é salutar, mas não pode justificar tudo. Há um enorme défice de ética negocial. E nós consumidores temos uma quota-parte de culpa no processo. Atentos, por vezes evitamos que os fornecedores nos enganem. Mas depois ficamos passivos à espera que eles voltem a tentar. Quase como se isto fosse um “jogo” de gato e de rato, em que desempenhamos este último papel. Mas isto não é um jogo, porque nunca temos possibilidade de ganhar. É antes o percurso para uma armadilha, em que mais tarde ou mais cedo acabamos por ficar presos.

O amigo sorriu, com ar condescendente.