João Pedro Martins, Jornal i
Meu caro Aprendiz,
Fizeste bem em não responder ao velho republicano na reserva. Enquanto se divertem a esgrimir argumentos acerca da tua improvável demissão, poderás negociar com as elites profanas, longe dos olhares indiscretos, e manter os teus ex-ministros operacionais em paraísos fiscais. Lembra-te de que a distração é a nossa melhor arma para captar a mente dos opositores.
Quando era aprendiz como tu, por pouco caía na armadilha do Inimigo ao ignorar as multidões enfurecidas, como os policias que quase assaltaram o Parlamento. Aprendi que os cães esfomeados devoram os próprios donos.
Percebeste a analogia? Nunca deixes o povo a morrer à fome. Esporadicamente eles precisam de ossos para serem confundidos com a miragem de um pedaço de carne fresca. Enquanto se mantiverem entretidos com o esqueleto do lombo de um bovino, deixam de ladrar e esquecem as correntes que os mantêm agrilhoados sob o jugo da austeridade.
Até podem usar linguagem profana, como fraude e corrupção, para caracterizaram as nossas sublimes virtudes. Mas enquanto lambem os ossos deixam de farejar o perfume da tua presença.
Alimenta-lhes a fome de poder com cargos na administração de empresas públicas, nos bancos e na cúpula dos sindicatos. Quando o povo festejar as suas conquistas futebolísticas, aplica-lhes mais uma dose de impostos e sacrifícios extraordinários, e ouvirás apenas o silêncio daqueles que outrora nos perseguiram.
Enquanto acalentarem o desejo inocente da luxúria, tens o caminho livre para os doutrinares. Mas não fiques convencido de que a tua missão é um mar de rosas. Os espinhos do Inimigo podem estar onde menos se espera. Há sempre alguém que não se rende. A resistência é um caraterística dos profanos que venderam a alma ao Inimigo.
Não os deixes escrever. Concentra-te em levar as pequenas editoras à falência e não permitas que escritores profanos escravizem os leitores com pensamentos impuros. Depois de se aliaram ao Inimigo até podem não se vender, mas pelo menos assim ficarão impedidos de comprar. E sem dinheiro, bem podem prantear na miséria.
Não deixes que o povo pense que o abandonámos. Uma vez conscientes das suas fraquezas, as multidões podem deixar de ser um gigante adormecido e acordar para nossa desgraça.
A tua missão é confundi-los. Fazê-los acreditar que não têm alternativa. Mas não os deixes entrar em depressão. Essa é a estratégia do Inimigo para os receber de braços abertos, como o Pai na parábola do Filho Pródigo. Deixa-os mendigar às nossas Portas. Sossega-os com promessas vãs acerca do futuro. Um pouco de otimismo nunca lhes fez mal, mas recorda-lhes que não têm Seguro contra todos os riscos.
Agora uma conselho sábio que jamais deverás esquecer. Nunca saias em defesa do primeiro-ministro do teu país. Tu podes sempre tirar o Coelho da cartola e trocá-lo por outro animal de estimação.
Uma das abomináveis armas do Inimigo é a capacidade de perdoar, mas essa é também a fraqueza do povo. Sempre que descobrem um raio de luz de esperança, esquecem-se do passado como uma esponja que branqueia as nódoas da sujidade.
Mas nós não somos como eles. Os teus erros e defeitos estão todos anotados, sublinhados e organizados por categorias e graus de imperfeição.
O método e a disciplina é o que distingue um ser puro e iluminado, como tu, de um pobre profano.
Na Irmandade, como na política, os amigos têm sempre um lugar ao sol.
Com amizade,
O teu grão-mestre da troika