Maria Amélia Monteiro, Visão on line,

Já tinha esgotado há muito a capacidade de endividamento com todas aquelas rotundas, estátuas e ruas.
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Tinha acabado de sair da reunião da ANMP em Coimbra e aquela ideia não lhe saía da cabeça: o seu colega, do partido adversário, presidia aos destinos de uma câmara com a dimensão da sua e tinha conseguido financiar aquela que seria a obra da sua vida. Já tinha esgotado há muito a capacidade de endividamento com todas aquelas rotundas, estátuas e ruas.

E até lhe tinha dado todas as pistas e contactos: só tinha que convocar uma reunião com a empresa que lhe apresentaria um estudo de viabilidade económica para criar uma empresa que garantia a construção da obra da sua vida.

Era só mudar o nome do projeto, do município e da empresa a criar. Assim garantia o financiamento da obra e, desde que fosse reposto o equilíbrio das contas da empresa em que a Câmara ia participar, nem sequer tinha problemas com o endividamento da câmara, há muito ultrapassado. Para além disso, como só ia ter 49% do capital da empresa, nem sequer tinha que comunicar a sua criação às entidades que exerciam o controlo financeiro. Passaria praticamente despercebida nas contas.

Só tinha que levar o projeto à Câmara e à Assembleia onde tinha a maioria para o fazer passar e onde a massa crítica não era suficiente para perceber a fragilidade dos dados e pressupostos do estudo que suportava todo o empreendimento.

Já sabia que os parceiros privados não iam assumir grandes riscos até porque assim não conseguiam financiamento na banca. Tinha que ser a Câmara a ficar com a fatia de leão dos riscos e o parceiro, que era empreiteiro e ia construir a obra da sua vida, a ficar com garantias de pagamentos regulares para pagar as prestações dos empréstimos e ainda ficar com uma margem de lucro confortável.

Afinal era justo: construía tudo, ficava com as rendas dos próximos 50 anos calculadas numa base partindo do pressuposto de utilização total do equipamento e ainda com a disponibilização de fundos que lhe permitiam pagar as prestações mensais do empréstimo.

Claro que havia a questão de nomear os administradores da nova empresa e de criar um quadro de pessoal. Seria aqui que entraria a contrapartida para colocar uns tantos amigos do partido. Nem sequer tinham que aparecer muito ou tomar decisões.

Claro que já tinha pensado que se o projeto não corresse como previsto – o que era quase impossível, porque partia de dados irrealistas e que só serviam para demonstrar a viabilidade da criação da empresa – os seus sucessores iam ficar com uma herança pesada: uma dívida ingerível e a falta de receitas nos próximos 50 anos.

Mas esse já não era um problema seu….

Estava decidido: ia fazer o tal telefonema e avançar com a obra da sua vida. Afinal de contas, já não podia concorrer às eleições de 2013…

O homem sonha e a obra nasce! É simples!