Manuel Castelo Branco, Visão on line,

Com frequência me perguntam se é possível, na universidade, fazer-se algo para mudar as atitudes e os comportamentos das pessoas relativamente ao fenómeno da corrupção

“Educar contra a corrupção” é um tema que tem vindo a despertar cada vez mais o interesse de organizações de combate à corrupção. A nível internacional, a melhor evidência disto é o mais recente Relatório Global de Corrupção da Transparência Internacional, o de 2013, o qual aborda também “o papel da educação e investigação no fortalecimento da integridade pessoal e profissional” (1). Em Portugal, este tema também tem vindo a ganhar relevância. Disso mesmo é exemplo a aposta na educação e sensibilização de públicos juvenis do Conselho de Prevenção da Corrupção (entidade administrativa independente que funciona junto do Tribunal de Contas), através do concurso "Imagens Contra a Corrupção" (2).“Educar contra a Corrupção” foi também o tema do programa “Sociedade Civil” da RTP 2, o qual foi exibido no passado dia 8 de Outubro (3).

Neste texto, usa-se esta questão da educação contra a corrupção como pretexto para expor algumas interrogações e tecer alguns comentários que contribuam para a reflexão sobre elas. Debruçar-me-ei, em particular, sobre o caso das escolas de economia e gestão, por ser aquele que melhor conheço e que mais me preocupa, na medida em que delas saem muitos dos quadros que, nas empresas e na administração pública, tomam decisões sobre o envolvimento em actos de corrupção.

Com alguma frequência me perguntam se é possível, na universidade, fazer-se algo para mudar as atitudes e os comportamentos das pessoas relativamente ao fenómeno da corrupção, ou, se, pelo contário, devido às idades com que os estudantes ali entram pela primeira vez, já é tarde para se mudar tais atitudes e comportamentos. Há quem considere que os valores dos estudantes se encontram já formados e consolidados quando chegam ao ensino superior, pelo que a possibilidade de os afetar é extremamente reduzida. Em crónica anterior, de 5 de Julho de 2012 (4), deixei já expressa a minha discordância deste ponto de vista. Escrevi que nas escolas de economia e gestão se “moldam a identidade, perspetivas e aspirações dos indivíduos que se irão tornar atores influentes em organizações poderosas”. Considerei, por isso, que tais escolas são “corresponsáveis pela definição dos objetivos últimos das empresas e dos meios através dos quais se tem procurado atingi-los”. Reitero aqui essas ideias.

Mas, de que vale educar e sensibilizar os estudantes das escolas de economia e gestão contra a corrupção se eles vão depois trabalhar em organizações nas quais muitas vezes se promove a corrupção, se não explicitamente, pelo menos através de ambientes favoráveis a esse fenómeno? Basta pensarmos nos mais recentes escândalos empresariais, nomeadamente os que tiveram como intervenientes os grandes bancos internacionais. Apenas a título de exemplo, gostaria de referir um exemplo de práticas “menos corretas” ocorridas no setor bancário nos EUA. Trata-se da utilização por parte dos bancos apenas de avaliadores que se disponibilizassem a atribuir aos imóveis preços preços artificialmente altos, o que correspondeu na prática à criação de uma espécie de “lista negra” de avaliadores honestos a não ser contratados, contribuindo fortemente para a crise do crédito hipotécario. Este episódio mereceu referência no relatório de 2011 da Comissão de Inquérito sobre a Crise Financeira (5), tendo essa referência dado origem a um artigo de opinião de William K. Black com o sugestivo título “Duas frases que explicam a crise e quão fácil teria sido evitá-la” (6).

Dado o que acabou de se deixar escrito, uma interrogação final que me parede pertinente é a seguinte: será que a crescente ligação entre as escolas de economia e gestão e os meios empresariais, em que se espera que as primeiras formem os estudantes de acordo com as necessidades imediatas dos segundos, é compatível com o combate à corrupção?

O tipo de práticas que foi referido acima, parece não ser tão pouco comum quanto isso, e provoca-me alguma inquietação quanto à necessidade de preparar os estudantes para serem bem sucedidos no mercado de trabalho e se inserirem o mais facilmente e rapidamente possível nos seus locais de trabalho. Por exemplo, sobre o Goldman Sachs, para o qual os “diplomados mais ambiciosos” em todo o mundo “sonham entrar”, sabe-se que “os recém-chegados devem entrar em sintonia com a cultura da casa” (7). Mas qual é a cultura da casa? A seguinte asserção parece correponder à melhor descrição dela: “Este culto da vitória a qualquer preço, este universo onde tudo é permitido exceto o fracasso, este teatro da finança onde os espectadores, como os atores, só têm de mostrar bons sentimentos criam uma cultura do desprezo, um sentimento de superioridade mal dissimulada.”(8)

 

NOTAS:

1.  http://www.transparency.org/gcr_education

2.  http://www.cpc.tcontas.pt/eventos/concursos/icc/2013_desenho/ConcursoDesenho.html

3.  http://www.rtp.pt/play/p1043/e130778/sociedade-civil-viii

4.  http://visao.sapo.pt/escandalos-empresariais-e-ensino-em-gestao=f673557

5.  Veja-se o “Final Report of the National Commission on the Causes of the Financial and Economic Crisis in the United States” (http://www.gpo.gov/fdsys/pkg/GPO-FCIC/pdf/GPO-FCIC.pdf).

6.  http://www.huffingtonpost.com/william-k-black/two-sentences-that-explai_b_3566112.html

7.  Roche, M. (2012), O Banco – Como a Goldman Sachs dirige o Mundo, Esfera dos Livros, p. 46.

8.  Roche, M. (2012), O Banco – Como a Goldman Sachs dirige o Mundo, Esfera dos Livros, p. 52.