Carlos Pimenta, Jornal i
A afirmação de que a fraude se encontra entre os meios que as empresas multinacionais têm vindo a utilizar para atingir os seus objetivos não chocará ninguém nos dias que correm. Seria possível referir uma miríade de comportamentos recentes deste tipo. Muitos deles foram até levados a cabo por empresas tidas como socialmente responsáveis. O imenso rol de exemplos de tais comportamentos, que vão do caso da Enron às fraudes recentes cometidas por bancos em todo o mundo, passando pela elisão fiscal de numerosas empresas, deveria ser suficiente para inculcar em nós uma atitude de grande suspeição e até cinismo perante a retórica da ética empresarial e da responsabilidade social das empresas.
Perante tal rol, é para mim uma enorme surpresa que haja ainda quem pense que as grandes multinacionais possam ser exemplos de cidadania ou que o capitalismo possa salvar alguma coisa. Afinal, não só a Enron era conhecida pelas suas práticas de responsabilidade social e publicava excelentes relatórios sociais e ambientais, como os seus administradores, Ken Lay e Jeffrey Skilling, condenados por fraude em 2006, eram aparentemente fervorosos promotores da ética empresarial e da responsabilidade social das empresas.
Relativamente aos inúmeros casos de fraude e corrupção de responsabilidade dos maiores bancos mundiais, o caso da manipulação da Libor pelo Barclays é provavelmente o melhor conhecido. Ora, o Barclays gozava de uma sólida reputação de ser socialmente responsável e publica regularmente relatórios de cidadania empresarial (basta consultar a sua página web: http://group.barclays.com/about-barclays/citizenship). O caso do Goldman Sachs é muito semelhante ao do Barclays. O papel nefasto desempenhado por este banco na crise financeira de 2008 e na crise grega não é coerente com a imagem de cidadania empresarial que tenta fazer passar (consulte-se a página web deste banco: http://www.goldmansachs.com/citizenship/). Até as agências de rating publicam relatórios de responsabilidade social.
Há quem considere na Comissão Europeia que o recurso a práticas de planeamento fiscal agressivo por parte das empresas não é coerente com a noção de responsabilidade social das empresas. Não obstante, como descrito num relatório recente de um centro para investigação das actividade das multinacionais baseado na Holanda, o SOMO, 19 das 20 maiores multinacionais portuguesas, incluindo a EDP, líder mundial das Utilities nos índices Dow Jones de Sustentabilidade, recorrem actualmente a empresas-fachada na Holanda para reduzirem ao mínimo possível os impostos a pagar. Todas estas empresas são seguramente “socialmente responsáveis”, pelo menos a avaliar pela sua associação ao Conselho Empresarial para o Desenvolvimento Sustentável (BCSD – Portugal) e pela publicação de sofisticados relatórios de sustentabilidade por parte da maioria delas, os quais são também disponibilizados na página web daquela organização.
Entre as muitas afirmações que são atribuídas a Marx (o comediante, não o cientista social), a seguinte parece ser uma das que melhor se aplica à nossa realidade: “Os segredos do sucesso nos negócios são a honestidade e a transparência. Se for capaz de as fingir, você conseguiu.” Pelo menos, durante algum tempo. Afinal, parece que a ética e a responsabilidade social empresariais são tratadas pelas multinacionais como se de qualquer outro tipo de estratégia se tratassem.