José António Moreira, Visão on line,
O principal problema das empresas tem sido a dificuldade de receberem dos seus clientes os montantes das vendas
Para quem olha a empresa do exterior e não tem qualquer ascendente sobre ela para lhe pedir informação adicional – como acontece com a banca –, a única forma de perceber a sua “saúde” financeira é através dos relatórios periódicos (em geral anuais) que ela emite.
Recentemente ocorreram importantes reformas dos normativos contabilísticos. Em 2005, com as “normas internacionais de contabilidade” aplicáveis aos grupos de empresas cotados em bolsa; em 2010, com o SNC – Sistema de Normalização Contabilística, aplicável à generalidade das restantes empresas e organizações.
O objetivo dessas reformas era, declaradamente, tornar a informação financeira publicada pelas empresas de maior utilidade para os utilizadores externos, em quantidade e em qualidade.
Porém, só por si, um denso e alargado conjunto de normas não é condição suficiente para concretizar um meritório objetivo como o referido. As motivações que em cada momento guiam as empresas ao nível da produção dessa informação afetam sobremodo essa qualidade.
O tecido empresarial português é constituído em mais de 99% por pequenas e médias empresas (PME). Para a maioria delas a posse de um sistema de informação contabilística é ainda vista como mera imposição legal destinada a servir de base ao cálculo e pagamento de impostos, não como um instrumento de apoio à gestão. Nesta envolvente, e porque a qualidade da informação produzida não é valorada pelas empresas, a manipulação dessa informação por via, por exemplo, da subfaturação das transações efetuadas (“vendas sem fatura”), é (foi) uma atitude corrente que é compensadora para a empresa por via da redução (fraudulenta) do montante de impostos a pagar, mas tem efeitos nefastos ao nível dessa qualidade.
Porém, nos dias de hoje, a empresa que depende da banca para o respetivo financiamento tem constrangimentos que limitam essa “motivação fiscal” inerente à redução do imposto a pagar (IRC). Passados estão os tempos em que lhe era possível chegar junto do seu gerente de conta e entregar dois “balanços” do ano – um com a atividade registada para efeitos fiscais, outro com o negócio realmente efetuado. Agora, se pretender continuar a manter o apoio bancário a empresa tem de mostrar “números” que demonstrem que é rentável e tem possibilidade de cumprir os respetivos compromissos financeiros. Neste contexto, a motivação, que se pode designar “motivação financiamento”, passa a ser manter, mesmo que artificialmente, um nível de atividade e resultados que “agrade” à banca. Na prática, a informação não passa a ser de melhor qualidade, mas tão só passa a ser manipulada com um objetivo diferente.
Em tempos de crise económica, em que o nível de negócio das empresas se reduz naturalmente, a necessidade de apresentar resultados positivos, pela razão antes referida, é ainda maior. Vale tudo para o conseguir, sob pena de poderem perder o apoio financeiro da banca. Por isso, em vez de subfaturarem o volume de negócio, como nos casos em que prepondera a “motivação fiscal”, as empresas tendem a subavaliar o volume de gastos para aumentarem o resultado. É este tipo de motivação que parece preponderar atualmente, como se mostra de seguida.
Nos últimos anos o principal problema das empresas não tem sido tanto a impossibilidade de venderem os seus produtos, mas sobretudo o de poderem receber dos seus clientes essas vendas. O crédito “mal-parado” tornou-se endémico, transversal a todos os setores e empresas. O montante esperado dessas perdas, isto é do crédito a clientes que se antecipa não vir a ser recebido, é considerado um gasto (“perda por imparidade”) contabilístico, reduzindo o resultado do período e, por arrastamento, o imposto sobre o rendimento (IRC) a pagar.
Porém, a generalidade das empresas não está a registar esses gastos, como se pode ver pelos números tabelados(1):
2008 |
2009 |
2010 |
|
Nº empresas que registam os gastos |
11.805 |
11.832 |
14.185 |
% do total |
3,7% |
4,1% |
4,8% |
De um universo de cerca de 400 mil empresas, no ano de 2010 menos de 5 por cento registavam os gastos relacionados com o crédito “mal-parado”. Embora se verifique um ligeiro aumento no período tabelado, reflexo da crescente dificuldade em cobrar dívidas, a diminuta percentagem indicia que outras motivações mais imediatas do que reduzir o resultado e o IRC se impuseram às empresas.
Também aqui o efeito a crise económica se faz sentir. Altera o sentido da manipulação da informação financeira, influenciando positivamente a cobrança de impostos relacionados com a atividade da empresa.
NOTAS
(1) Roberto Rua, 2012, “Perdas por Imparidade em Dívidas a Receber e Características Empresariais: uma análise do caso português”, dissertação de Mestrado em Contabilidade e Controlo de Gestão, FEP/U.Porto.