Carlos Pimenta, Jornal i
A liberdade é um valor insofismável da humanidade. A sua evocação acalenta-nos o prazer de viver. É a possibilidade de se fazer o que se deseja.
Na nossa sociedade de consumo, expandida pela mundialização, reforçada pelo marketing, influenciada pela centralização das empresas, a liberdade de escolha radica-se dominantemente na aquisição de bens e serviços. O mundanismo dos ricos é o sonho balsâmico dos pobres. O prazer individual é o anseio de cada um, mesmo que viole a possibilidade de um bem--estar colectivo, mais profícuo. A "liberdade de escolha" aparenta ser a expressão suprema e única da liberdade.
O Estado acalenta-a e garante o poder das suas clientelas, manifesta compreensão pelos interesses económicos dominantes, lança a poeira da ideologia, angaria votos. Da "igualdade, liberdade, fraternidade", invoca a segunda, aparenta a primeira e mata a terceira.
A liberdade de escolha é um valor. É-o enquanto não conflitua com o direito de todos ao bem-estar e ao desenvolvimento, que a ciência permite e as relações sociais e políticas impedem.
Olhemos para a Europa. Onde está para milhões de homens a liberdade de terem emprego? Onde está a liberdade das famílias de possuírem um rendimento condigno? Onde está a liberdade de cada um construir o futuro? Afirma-se que não se quer o agravamento das desigualdades sociais mas essa é a vivência "liberdade de escolha". A liberdade de escolha de uns pode ser a sua ausência para outros: para as grandes empresas terem empresas-fantasma, os contribuintes pagam mais impostos; para o BCE e os bancos terem mais lucros, os cidadãos têm os seus salários desfalcados.
A razão do antagonismo é óbvia: os recursos são escassos. Ou se estimula a riqueza de alguns ou o bem-estar e a dignidade de todos. Nos nichos em que esse conflito não exista, que se promova a liberdade de escolha.
Não tenhamos a memória curta para não sermos obrigados a lembrar os horrores das ditaduras. A ausência de regulação, fiscalização e criminalização são a outra face do conluio entre especuladores e estados submissos, à sombra da "liberdade de escolha". Esta está no cerne da actual crise. Os casos BCP, BPN, BPP e outros são alguns dos seus resultados, assim como o são os elevados montantes da economia paralela.
A liberdade de escolha pode ser uma forma de liberdade, nunca poderá ser uma "dádiva", paternalismo. Se ela for o pretexto para enfraquecer o acesso de todos aos serviços (exemplos: educação, saúde) e este ficar dependente de uma dádiva política, a liberdade de escolha não está garantida, é uma falácia. Assumamos a evidência contemporânea: o Estado não é pessoa de bem, não respeita os compromissos e é mau pagador. Face à legítima procura do lucro por parte dos prestadores privados de serviços e à incapacidade de muitas famílias de pagarem, em nome da liberdade forja-se a sua ausência.
O patrono da exaltação da "liberdade de escolha", Milton Friedman, reconhece que a adesão ao lema não resulta de uma dedução lógica, mas das condições de vida e dos sentimentos das pessoas. É de esperar que a actual precariedade de uma vida digna revele a frequente falácia dessa alocução política!
Entretanto, agendemos duas "reivindicações" de "liberdade de escolha": a) a liberdade de todos terem emprego; b) a possibilidade de todos os contribuintes acederem a um paraíso fiscal à sua medida, onde possam criar um contribuinte-fantasma para reduzir os seus brutais impostos canalizados para o pagamento de dívidas que outros fizeram.