João Pedro Martins, Jornal i
Enquanto as empresas andarem livremente a lavar dinheiro e a fugir aos impostos através do uso e abuso de paraísos fiscais, as sucessivas medidas de austeridade vão acabar por estrangular a vida dos pequenos contribuintes
Fugir aos impostos em tempos de austeridade é uma prática habitual das multinacionais. Já sabíamos que 19 das 20 empresas do índice PSI20 deslocalizaram artificialmente as suas sedes para a Holanda com o objectivo de escapar legalmente ao fisco e obrigar os restantes contribuintes a sacrificarem--se ainda mais.
A austeridade não é para todos, pelo menos para quem tem bons advogados.
Um dos casos mais escandalosos desta batota fiscal programada é o esquema montado pelos advogados holandeses da EDP. Um estudo recente elaborado pelo SOMO, um centro de pesquisa holandês que monitoriza as multinacionais, revela dados surpreendentes acerca da gigante da energia em Portugal e que recentemente passou para as mãos dos chineses da Three Gorges.
Dados oficiais da Comissão Europeia acerca da fraude e evasão fiscal na Europa apontam para que anualmente um milhão de milhões de euros se evapora dos cofres do fisco nos países da zona Euro, obrigando que cada contribuinte europeu pague um valor adicional de 2000 euros de impostos por ano.
O caso da EDP é moralmente inaceitável. A EDP Finance BV, a holding que a EDP instalou na Holanda, não passa de uma empresa-fantasma sediada numa caixa de correio, com o objectivo exclusivo de fugir aos impostos no país de origem. O esquema serve para refinanciar todas as empresas do grupo EDP, enganando a Autoridade Tributária, da mesma forma que se tira a chupeta a um bebé a dormir.
Ficamos a saber que através de um Advance Pricing Agreement (um acordo sobre preços de transferência e dupla tributação, que possibilita migrar lucros e definir a taxa de imposto a pagar) celebrado entre a EDP Finance BV e a autoridade tributária holandesa, permitiu que a EDP andasse a electrocutar impostos entre 2008 e 2012, gerando lucros artificiais na Holanda de 142 milhões de euros, pagando uma taxa de imposto de apenas 3,77%.
Segundo as contas do FMI, em 2011, o investimento directo em Portugal proveniente da Holanda atingiu 26 294 milhões de dólares. Em Portugal não há fábricas holandesas, nem criação de postos de trabalho, nem riqueza produzida com capital do país das tulipas que justifique este investimento. É um truque fiscal que as multinacionais portuguesas usam para fazer sair artificialmente o dinheiro do país sem pagarem impostos localmente e repatriarem os capitais com incentivos fiscais ao investimento estrangeiro.
Ninguém acredita que o investimento holandês em Portugal é três vezes superior ao de Espanha, cinco vezes ao do Brasil, nove vezes ao de Angola, 16 vezes ao dos EUA e 26 vezes maior do que o investimento alemão. Se acreditarmos que os técnicos do FMI são competentes na análise dos dados, então estamos perante uma das maiores burlas legais no sistema tributário português e uma clara violação das cláusulas antiabuso previstas no n.º 2 do artigo 38.º da Lei Geral Tributária.
O esquema holandês envolve ainda subsidiárias da EDP em Espanha para beneficiar da isenção do imposto de retenção na fonte. O truque fiscal foi validado pelos auditores internacionais da KPMG e pela comissão de auditoria paga a peso de ouro pela própria EDP em Portugal.
Moral da história: enquanto as empresas andarem livremente a lavar dinheiro e a fugir aos impostos através do uso e abuso de paraísos fiscais, as sucessivas medidas de austeridade vão acabar por estrangular a vida e a carteira dos pequenos contribuintes.
Precisamos de políticos corajosos e honestos, de políticas justas e transparentes e de gestores que usem os lucros de forma eticamente responsável e paguem as suas obrigações fiscais.