Rui Henrique Alves, Visão on line,

No momento em que escrevo esta crónica, é ainda indeterminada a forma como se irá ultrapassar a crise política iniciada com a demissão dos Ministros das Finanças e dos Negócios Estrangeiros. Certo é, para mim, que esta crise política e todos os acontecimentos que se seguiram àquelas demissões vieram tornar ainda mais claro que a verdadeira reforma de que o País necessita, para ultrapassar a profunda crise económica, social, política e de identidade em que mergulhou, não se encontra nos domínios que mais habitualmente têm sido abordados.

Estou a referir-me, aliás, na sequência de outros escritos trazidos no âmbito desta coluna, à necessidade de uma profunda reforma no funcionamento do sistema político democrático. Não se tem falado a sério dela, enredados que andamos numa teia de contínuos cortes económicos e financeiros que a mais não têm conduzido que ao agravamento da situação actual. Mas essa é uma reforma absolutamente necessária, se não quisermos fazer do debate sobre o futuro de Portugal uma verdadeira fraude...

Na minha opinião, a situação a que chegamos está estreitamente ligada com a redução sucessiva da qualidade da nossa democracia, do funcionamento das respectivas instituições e do comportamento dos seus actores. Ao longo dos anos, fomos assistindo à emergência ou expansão do carreirismo partidário, das redes clientelares, do caciquismo, da sucessiva intromissão na esfera da vida privada. Estes e outros fenómenos, expulsando larga parte da "boa moeda", permitiram o acesso a cargos de relevância, no quadro do sistema político, a verdadeiros "profissionais da política" com reduzida capacidade ou competência.

Numa parte significativa, foi o crescimento da mediocridade no seio do sistema político que possibilitou uma alternância entre a venda de ilusões no passado recente e a crença quase messiânica na "austeridade pela austeridade" em alguns círculos da actualidade.

Romper com esta situação parece-me, assim, condição sine qua non para a retoma sustentável do crescimento económico e para a obtenção de níveis de vida mais próximos dos da Europa a que nos orgulhamos de pertencer. É essa a mais importante reforma estrutural a fazer.

Para levar a cabo tal reforma, é preciso pensar seriamente em vários temas essenciais, alguns dos quais se tornaram, infelizmente, quase tabu em tempos recentes. Entre eles contam-se: a substituição do actual e original sistema semi-presidencial por uma das alternativas mais comuns, isto é, sistema presidencial ou sistema parlamentar; a consagração de um sistema de justa remuneração dos actores políticos; a redução do número de deputados e outros cargos políticos; o reforço da protecção da vida privada dos agentes políticos; a reformulação territorial, incluindo a regionalização e a recomposição de municípios e freguesias; a valorização e a dignificação do trabalho político; etc.

Penso que só esta reforma fará regressar à causa pública os melhores e os mais competentes. Sem ela, creio que, por mais medidas de austeridade ou por mais medidas de crescimento que se tomem, estaremos condenados à mediocridade económica por muitos anos.

Tenho esperança, contudo, que a sociedade portuguesa se consciencialize definitivamente deste facto e que, desse modo, num futuro não muito distante, possamos vir a celebrar os frutos desta reforma.