José António Moreira, [types field="pub" class="" style=""][/types],

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Uma grande empresa espanhola, em Fevereiro, mostrou ao mundo uma faceta de todo inesperada: ser protagonista de uma gigantesca fraude financeira

Durante muitos anos, para o cidadão comum, a palavra "pescanova" funcionava como um auxiliar de memória que evocava a frase publicitária imagem de marca da empresa do mesmo nome: "O bom sai bem!" Em 2007, na sequência de um investimento em aquacultura feito na praia de Mira para a produção de pregado, a empresa passou a ser para os portugueses também um importante empregador na região de Aveiro.

Mas a Pescanova era algo mais do que isso. Digo "era" porque no momento não se sabe se ainda "é", e sobretudo desconhece-se se o "será" no futuro. Uma grande empresa espanhola, cotada em bolsa, com uma importante posição no mercado mundial de produção e comercialização de peixe e derivados, que em Fevereiro mostrou ao mundo uma faceta de todo inesperada: ser protagonista de uma gigantesca fraude financeira.

As autoridades ainda não conseguiram mapear completamente a situação. Ainda procuram perceber a dimensão da fraude, o buraco existente nas contas. Este, como é tradicional neste tipo de casos, esconde prejuízos não declarados, dívidas e financiamentos não registados, activos empresariais contabilizados por valores superiores aos reais, transacções comerciais fictícias. Um cozinhado indigesto, números contabilísticos manipulados para fazer crer aos destinatários da informação que ainda existia aquilo que já desaparecera: a solvência da empresa.

"Como foi possível enganar tanta gente durante tanto tempo?" é a pergunta que fazemos. As mais de cem empresas do grupo empresarial Pescanova eram auditadas pelas principais empresas de auditoria; o grupo tinha departamento de auditoria interna; cumpria (teoricamente) as normas relativas ao governo societário; estava a concluir a elaboração de um código interno de conduta ética; era seguido pela Comission del Mercado de Valores e pelas instituições financeiras que o financiavam. Enfim, estava sob o olhar de tantos, passou pelas mãos de todos e agora ninguém quer assumir responsabilidade pela ocorrência.

Na década de 50, Donald Cressey teorizou a ocorrência da fraude a partir de três vértices - a "pressão", a "oportunidade" e a "justificação" -, o denominado "triângulo da fraude". O caso Pescanova, apesar da reduzida informação conhecida, enquadra-se nele. A "pressão" para a fraude parece ter as respectivas raízes no comportamento tradicional dos mercados financeiros, altamente penalizadores das empresas que num dado período apresentem resultados menos favoráveis. Porque as considerações legais e éticas sucumbiram a outras prioridades, a administração do grupo nesse período passado terá decidido maquilhar as contas para que fossem divulgados aos mercados resultados positivos (inexistentes). A oportunidade existia, proporcionada pelos meandros da lei e pelas conhecidas rotinas de auditores e reguladores. Justificação moral e pessoal para sossegar consciências em tempo de prática de ilegalidades não terá sido difícil de encontrar num contexto em que se admitia que era só aquela vez, pois no período seguinte tudo seria tapado, voltando a vida empresarial ao ritmo de sempre. Puro engano. Estava lançada uma bola de neve que não parou de crescer até esmagar a própria empresa.

O desastre sobreveio. Tirando alguns detalhes, o essencial não distingue esta de muitas outras fraudes financeiras ocorridas nas duas últimas décadas. Quem não se lembra, por exemplo, da Enron ou da Parmalat? Quem não se lembra de um passado que se julgava sepultado para sempre, mas que teima em ressurgir no presente?