António João Maia, OBEGEF
A corrupção não parece ser muito mais de que um tópico para organizar conferências e debates públicos em dezembro de cada ano
As ciências antropológicas mostram-nos que os rituais são comportamentos humanos ancestrais que, com um certo grau de simbolismo, formalismo, e repetição cíclica em determinados momentos do calendário, têm uma função muito relevante na partilha, transmissão e validação de valores culturais e na manutenção e reforço da ordem e da coesão social.
Nos últimos anos, particularmente no mês de dezembro, temos assistido em Portugal a uma espécie de ritualização da corrupção. Primeiro através de conferências, seminários e workshops organizados no dia 9 de dezembro, dia internacional contra a corrupção. Depois e dado o gradual aumento do número de eventos sobre o tema que tem sido organizado ano após ano pelas mais diversas entidades (da área da justiça, da Administração Pública em geral, ou ainda dos setores social e privado) a agenda da corrupção tem vindo a estender-se para todo o mês de dezembro. O OBEGEF tem tido também a oportunidade de participar nalguns destes eventos.
E em todos estes rituais o sentido dos discursos é invariavelmente o mesmo, e estrutura-se sobretudo em torno de ideias como: a corrupção perverte a democracia e gera desigualdade de oportunidades; representa o incremento dos custos financeiros de funcionamento do Estado e a redução da qualidade dos serviços públicos; afasta os cidadãos da participação da vida pública; e gera desconfiança na relação entre os cidadãos, o Estado e as instituições.
Este ano não será diferente. Dezembro já aí está, e as redes sociais estão cheias de anúncios sobre todo o tipo de eventos associados à corrupção.
Porém e não obstante toda esta dinâmica, que não é necessariamente má ou perversa, mas que parece cada vez mais inconsequente, nomeadamente por Portugal continuar a ser sistematicamente apontado por entidades internacionais, como a União Europeia, a OCDE, o Conselho da Europa, ou o GRECO, como um país que precisa de aprofundar o seu quadro de medidas de controlo, prevenção e repressão da corrupção, particularmente, para indicar duas das mais relevantes: na regulação do lobying e promoção da transparência nestes processos; ou no reforço das medidas de controlo de conflitos de interesses no exercício de funções de natureza pública.
A corrupção é um tema da moda há alguns anos em Portugal. Não há dúvidas quanto a isso. Nas próprias campanhas eleitorais, o tema acaba por ser levado para cima da mesa do debate político, nalguns casos como arma de arremesso para desacreditar os adversários.
Neste enquadramento, e do ponto de vista do que estamos a procurar mostrar nesta reflexão, receio que a corrupção não seja muito mais de que um tópico para organizar conferências e debates públicos em dezembro de cada ano.
Estes eventos poderiam e deveriam ser mais produtivos e consequentes.
Deveriam, pelo menos, traduzir-se em recomendações a apresentar aos decisores políticos.


