Henrique Santos, Visão on line,

"Se só existisse um ser humano à face da terra (...) mesmo assim ele cometeria fraude?"

Por vezes gostaríamos de ser, no mínimo, duas pessoas, e essa concretização é tanto mais plausível quanto a vontade que temos de ser o que não somos, ou de não ser aquilo que somos, isto é, podemos nós desligar a ficha e ser bipolares no que diz respeito ao que defendemos e ao que fazemos? Existe um "teoria" associada à igreja católica que diz que sim "olha para o que eu digo e não para o que eu faço".

Acredito que não seja fácil alguém ser um exemplo para todos e tudo. As exigências diárias são demasiadas e nem sempre é possível ao ser humano dar uma resposta considerada adequada (pelo menos no domínio ético), dentro de qualquer esfera social.

Quanto à fraude isso é uma constante, é até, acredito, a forma de se racionalizar as decisões que tomamos e os atos que realizamos. Sei bem que esta é uma teoria bem estudada, mas quando nos envolvemos com os humanos não existem quadros explicativos individuais, quanto mais podemos encontrar tendências dentro de um determinado grupo e/ou contexto.

Não raras vezes, consigo traçar um cenário dual, em que de facto podem existir duas pessoas distintas num mesmo corpo. Transcendência dirão uns, excentricidade vociferarão outros. Não importa.

Sob este espectro estamos todos safos, e à luz da teoria dual do ser humano "olha para o que eu digo e não para o que eu faço" assumimos que cometemos o pecado (a fraude), mas, mesmo assim, continuamos a ter legitimidade para dizer o que não se deve fazer. Mas tal só acontece por dois motivos de razão, ou porque não existiu condenação do ato com consequências para o perpetrador, ou porque, de facto, ninguém descobriu a perpetração do mesmo.

O problema acontece quando a decisão de cometer o ato fraudulento decorre de motivos que levam o perpetrador a racionaliza-la, isto é, a justificá-lo por motivos de tal forma fortes, que davam para escrever um verdadeiro bestseller, em que, naturalmente o bico ao prego era mudado. É mesmo caso para fazer uma comparação com aquela anedota, em que uma pessoa vai pregar um prego na parede e, quando deteta que o bico do prego está virado para si e não para a parede, se convence que se enganou na parede... (afinal o prego destinava-se à parede oposta).

Neste contexto, ficam-me algumas dúvidas, sobretudo porque tenho imensa dificuldade em julgar:

a) Será que a fraude cometida por desespero de causa (ainda que tal seja subjetivo) deve ter tratamento igual a quem a comente por simples vontade de, por exemplo, enriquecer mais rapidamente? (ainda que estejamos a falar de situações exatamente iguais quanto ao ato e valor em si). Sabemos, é certo, que um juiz de direito terá tal em consideração, mas mesmo assim será justo?

b) Deverá um ato fraudulento ser disseminado (ser dado a conhecer à população em geral)? Se trará o benefício de conhecerem as consequências de tal ato, na verdade também fica disponível para quem quiser usá-lo e melhorá-lo). Ao invés poder-se-á sempre formar e educar a população (genericamente considerada) para tipos de fraude que podem [potencialmente] ocorrer.

De uma coisa estou seguro, relativizar a fraude a uma insignificância ou, ao invés, culpá-la por tudo e por nada quando as coisas não correm bem, não é o caminho a seguir. Estou plenamente convencido que a fraude é, na esmagadora maioria das vezes, cometida por força de motivos totalmente externos ao ser humano. A ignição não creio que esteja centrada no indivíduo, ser-lhe-á oferecida pelo contexto, pelas exigências da sociedade, pelas expetativas, enfim, pelas necessidades da mais diversa ordem.

A questão sublime que decorre do parágrafo anterior é: "se só existisse um ser humano à face da terra (uma única pessoa), mesmo assim ele cometeria fraude?"

Tenho muita dificuldade em responder à questão.