Maria Natália Gonçalves, Jornal SOL
Queremos que a autoridade investigue bem, mas criticamo-la quando demora. Queremos justiça firme, mas aceitamos que ela tenha prazos de validade, amiúde, bem curtos.
O Coelho Branco é um dos personagens mais paradigmáticos da obra de Lewis Carroll, “Alice no País das Maravilhas” e o seu relógio é central na narrativa pelo seu simbolismo em relação à excessiva preocupação com o tempo. Ora, o recente processo conhecido por “Cartel da Banca” demonstrou que em matéria de justiça, o tempo pode mesmo ter um impacto determinante.
Durante anos, com início em 2013, a Autoridade da Concorrência (AdC) investigou o que acreditava ser um conluio entre grandes bancos na troca sistemática de informação comercialmente sensível — designadamente, sobre taxas, spreads, condições de crédito — prática que, a acontecer, distorce o mercado e lesa gravemente os interesses dos consumidores de crédito bancário.
Em 2019, a AdC concluiu pela existência de uma infração única, complexa e continuada que ter-se-á mantido por um período superior a dez anos, tendo daí resultado a aplicação de coimas no montante total de cerca de 225 milhões de euros, uma das decisões sancionatórias mais emblemáticas da história da AdC.
Contudo, inconformadas com o resultado da decisão do Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão que considerou improcedente a reclamação das condenadas, recorrem estas para o Tribunal da Relação de Lisboa que em fevereiro de 2025, entendeu que os factos imputados se encontravam prescritos. Ainda com uma passagem pelo Tribunal Constitucional, o processo terminou não pela improcedência dos factos, mas pela extinção do procedimento contraordenacional e consequente arquivamento dos autos.
Os bancos respiraram de alívio e os consumidores perguntam: “Então isto quer dizer que eles são inocentes?”. Não! O Tribunal não discutiu a qualificação jurídica da prática, nem apreciou o mérito da decisão da AdC; limitou-se a aplicar o regime de prescrição previsto nos artigos 71.º a 75.º da Lei da Concorrência, articulado com princípios gerais do direito sancionatório. Para a Relação, o período decorrido entre a cessação dos comportamentos e a decisão administrativa excedia os prazos máximos legalmente admissíveis.
Não houve absolvição, houve prescrição; e prescrição não é sinónimo de absolvição. Não elimina a materialidade dos indícios, não invalida a análise económica da AdC, nem reabilita juridicamente as práticas. Simplesmente, impede o Estado de exercer o seu ‘ius puniendi’ para além de um limite temporal tido por garantia de proteção do princípio da segurança jurídica.
A prescrição é um instituto essencial do Estado Direito. Impede que o poder punitivo se eternize e garante segurança jurídica. Mas, quando aplicada a investigações que demoram anos a desvendar práticas tão dissimuladas quanto lesivas, transforma-se num paradoxo. Queremos que a autoridade investigue bem, mas criticamo-la quando demora. Queremos justiça firme, mas aceitamos que ela tenha prazos de validade, amiúde, bem curtos.
Este caso evidencia, por isso, um problema estrutural: a assimetria entre, por uma lado, um regime sancionatório excessivamente protetor que exige investigações morosas e tecnicamente exigentes e, por outro lado, os prazos legais de prescrição que foram desenhados num contexto económico muito diferente daquele em que hoje se apuram práticas concertadas, sobretudo em mercados sofisticados como os do setor da banca e mercados financeiros.
É caso para refletir sobre se o atual regime de prescrição deve ser revisto para assegurar que condutas restritivas da concorrência de longa duração não escapam ao escrutínio da AdC pela mera passagem do tempo. Mas é igualmente necessário atestar que a AdC disponha dos meios adequados para investigar, em tempo útil, infrações que, por natureza, exigem perícia económica, análise de grandes volumes de dados e cooperação internacional.
O resultado final? A AdC não conseguiu responsabilizar ninguém. Os bancos não precisam de pagar um cêntimo. E o mercado? Continua a funcionar como sempre funcionou — com os consumidores a perguntar-se se o atual sistema de defesa da concorrência efetivamente os protege. É caso para dizer que tudo o tempo levou!

