Fernando Costa Lima, Visão on line,

Vem esta crónica a propósito de uma carta (de um leitor) ao director de um jornal diário, sobre um processo que corre actualmente nos tribunais.

Nessa carta, o leitor vem questionar as afirmações (em público) do advogado dos arguidos, clamando pela inocência dos seus clientes. Àquelas afirmações o leitor contrapõe uma série de detalhes sobre factos relacionados com os arguidos no processo em causa e de que teve conhecimento, com toda a certeza, pela leitura de notícias sobre o referido processo.

Uma conclusão parece desde já óbvia: para o leitor em causa, e sem qualquer espécie de dúvida, os arguidos são culpados...apesar de o julgamento ainda não ter terminado.

Mas mesmo que o referido leitor não pense assim, a sua principal indignação incidia sobre a atitude do advogado de defesa por ter feito afirmações em defesa da inocência dos seus clientes, quando, pelos factos invocados (pelo leitor), tudo aponta que sejam culpados e como tal, obrigaria o seu advogado a estar calado.

E era aqui que se pretendia chegar. De acordo com o Estatuto da Ordem dos Advogados "O advogado não deve pronunciar-se publicamente, na imprensa ou noutros meios de comunicação social, sobre questões profissionais pendentes. (1)" Excepcionalmente, o advogado pode pronunciar-se, desde que previamente autorizado, sempre que o exercício desse direito de resposta se justifique, de forma a prevenir ou remediar a ofensa à dignidade, direitos e interesses legítimos do cliente ou do próprio (2).

Haverá então que perguntar: a simples divulgação na imprensa de factos relacionados com um processo judicial em curso é justificação para a utilização da excepção mencionada? A menos que se trate de factos totalmente falsos e inventados, lesivos da dignidade do cliente ou do próprio advogado, parece não haver justificação para que o advogado se tenha pronunciado publicamente, não cuidando sequer de saber se este pediu ou não autorização prévia à Ordem.

Infelizmente, nos últimos anos e em matéria de Justiça, "fala-se" demais. Desde logo, as inadmissíveis fugas de informação (e correspondente quebra do segredo de justiça), muitas vezes ainda antes de os visados terem sido sequer formalmente acusados. A que se seguem declarações dos advogados, culminando, muitas vezes, na própria opinião do cidadão anónimo que acha que também tem uma palavra a dizer.

Na minha opinião, o actual estado de coisas não é bom para a Justiça. A Justiça precisa da tranquilidade e do recato dos tribunais. Só assim haverá verdadeiramente Justiça.

Sem de modo algum cercear o direito à informação, é urgente "desmediatizar" a Justiça e essa é uma responsabilidade de todos.

Notas:

(1) Número 1 do artigo 88.º do EOA.

(2) Número 2 do artigo 88.º do EOA.