Óscar Afonso, ECO Magazine
O maior risco que enfrentamos é o político: o de um país que continua a expulsar o mérito, a competência e a integridade da vida pública, como se o talento fosse uma ameaça e a decência, um defeito.
Todos falam do previsível. Poucos pensam no que realmente nos pode derrubar e se preparam para tal. Neste artigo abordo de forma breve alguns temas da atualidade para me focar em riscos mais ou menos escondidos de baixa probabilidade, mas de elevado impacto, os designados “riscos de cauda”, por se concentrarem na cauda da distribuição, os quais não são debatidos em Portugal – e, como tal, são ignorados pelos nossos políticos, que se centram sobretudo, como sabemos, no curto prazo.
A ideia é avaliar se Portugal está minimamente preparado para eventos pouco prováveis de alto impacto negativo – na medida das possibilidades, pois nunca se está totalmente preparado para crises –, centrando-me na área económica, mas não só. Na economia, tal como na vida, é bom sermos positivos e esperar o melhor, mas também estarmos preparados para o pior, aspeto em que habitualmente falham os nossos governantes, expondo o país a riscos que poderiam ser mitigados antecipadamente com a devida avaliação, ponderação e planeamento. Se a despreocupação de cada um corre por sua conta e risco, os responsáveis pelo destino colativo certamente não o devem fazer, para proteger o bem comum.
O risco sísmico agravado pelo centralismo, incumprimento da regulamentação e falta de sensibilização
Começo pelo evento de cauda típico, de probabilidade baixa e enorme impacto negativo.
No próximo dia 1 de novembro terão passado 250 anos sobre o terramoto de 1755 que assolou em Lisboa, provocando um enorme número de mortos (cerca de 10 mil) e devastação, para o que contribuiu ainda o tsunami subsequente. Os especialistas afirmam que, dado o elevado risco sísmico dessa área (por cima de uma falha entre placas continentais), numa escala temporal alargada ocorrerá um novo terramoto. Só não sabemos quando acontecerá, pelo que a probabilidade que ocorra durante a nossa existência se torna reduzida (na cauda da distribuição), mas existe.
À pergunta sobre se estamos preparados para esse evento, os especialistas respondem que não, pois grande parte da construção não segue a regulamentação de prevenção sísmica e há pouco controlo a esse nível, faltando uma certificação sísmica dos edifícios. A falta de sensibilização para a matéria implica ainda que não haja procura pela cobertura de riscos sísmicos nas apólices de seguro de habitação. A atual crise na habitação agrava a situação, pois as pessoas estão, naturalmente, mais focadas na acessibilidade.
Menos abordado neste contexto, que eu conheça, é o agravamento do impacto destrutivo de um eventual terramoto devido ao elevado centralismo do país, ao provocar uma forte concentração de população e atividade em Lisboa e arredores, além dos riscos económicos e sociais da perda de coesão nacional – pela desigualdade de oportunidades económicas no território –, para os quais tenho vindo a alertar. Ou seja, o centralismo coloca em risco, potencialmente, a vida de milhares de cidadãos e o seu património.
Segundo um estudo de Maria Luísa Sousa Sotto-Mayor, investigadora do Laboratório Nacional de Engenharia Civil, uma nova catástrofe semelhante à de 1755 resultaria num número entre 17 a 27 mil mortes, ou seja, cerca de duas a três vezes o número de mortes ocorridas em 1755. Havendo hoje muito mais edificado, ainda que mais resiliente, os custos económicos não deixariam de ser também muito altos.
A reforma territorial administrativa que tenho vindo a defender em crónicas anteriores, ao promover a descentralização e uma melhor distribuição das atividades e da população pelo território nacional, descongestionando ao mesmo tempo Lisboa, além de estimular um desenvolvimento mais equilibrado do país, seria também uma forma de reduzir o impacto negativo de um novo terramoto na capital.
Faço ainda notar que a concentração do poder político em Lisboa – também em risco de vida na eventualidade de um novo terramoto – dificultaria muito a resposta a uma situação de crise como essa, pelo que, também por essa razão, faria sentido distribuir melhor os órgãos de poder pelo país, além de planear e precaver bem, ao nível da proteção civil e comando, esse cenário de catástrofe.
Se os riscos económicos de adiar uma reforma administrativa territorial decisiva, como a que proponho, não parecem mobilizar os nossos políticos, pergunto se o risco de vida dos próprios, ainda que com uma probabilidade reduzida, é motivação suficiente.
Riscos financeiros possíveis no horizonte: crise de dívida soberana, crash bolsista ou crise bancária
O FMI, nos seus relatórios mais recentes — World Economic Outlook, Global Financial Stability Report e Fiscal Monitor —, alerta para a acumulação de riscos financeiros em três frentes interligadas.
(i) Risco de uma nova crise de dívidas soberanas
A vulnerabilidade crescente nas finanças públicas de várias economias avançadas, com destaque para França e, em menor medida, Itália e Reino Unido, suscita o risco de uma nova crise de dívidas soberanas. A combinação de dívida pública elevada, aumento dos custos de financiamento e fraco crescimento económico reduz as margens orçamentais e aumenta o risco de tensões nos mercados de dívida soberana.
Embora o FMI não preveja uma crise imediata no recente Fiscal Monitor, avisa que uma subida súbita das taxas de juro soberanas ou uma perda de confiança dos investidores poderia desencadear uma nova fase de instabilidade semelhante à vivida na zona euro na década passada, a crise de dívidas soberanas, que levou ao resgate de Portugal pela troika de credores e ao duro programa de ajustamento.
Na eventualidade de uma crise de dívida soberana originada em França, Portugal não estaria, desta vez, no ‘olho do furacão’, mas apenas numa segunda linha de países potencialmente afetados em momento posterior. Não estamos tão expostos como em 2011 porque o nosso rácio de dívida pública é bem menor, mas é ainda dos mais altos na União Europeia (UE) e área euro, na casa dos 90%, convém não esquecer.
Faço notar que um rácio da dívida pública elevado toma uma trajetória ‘explosiva’ se a taxa de juro a que o Estado se financia for superior ao crescimento nominal do PIB, como sucedeu em 2010. Não estamos nesse cenário atualmente, pois a taxa de juro soberana de Portugal é relativamente baixa e o crescimento nominal tem sido superior, mas rapidamente a situação se pode inverter num contexto de crise, pois basta os mercados anteciparem riscos para o governo começar a enfrentar custos de financiamento crescentes.
Os riscos para o crescimento real do PIB português são previsíveis, evidentes e graves, como tenho vindo a alertar. Sem reformas estruturais, o país volta a deslizar para o marasmo do costume: um crescimento medíocre, sustentado por nada. Espera-se uma forte desaceleração em 2027 com o esgotamento dos efeitos do PRR e do turismo, que já vem a perder dinamismo. O abrandamento poderá até começar em 2026, segundo as previsões do Conselho de Finanças Públicas (CFP), que aponta para uma sobrestimação da previsão de crescimento do governo na proposta de Orçamento de Estado de 2026 (OE26). Acresce que a inflação, entretanto, baixou para valores normais e, por isso, o deflator do PIB (componente nominal) deixará de ajudar à baixa do rácio da dívida.
Segundo as previsões do FMI no recente World Economic Outlook de outubro (WEO), a economia portuguesa deverá desacelerar de 2,1% em 2026 para 1,5% em 2027, enquanto o governo projeta 2,3% em 2026 (número revisto em baixa de 0,3 pontos percentuais, p.p., face às suas anteriores previsões) e, há poucos meses, apontava para 2,9% em 2027, número que deverá vir a ser revisto em forte baixa.
Os riscos para o crescimento real do PIB português são previsíveis, evidentes e graves, como tenho vindo a alertar. Sem reformas estruturais, o país volta a deslizar para o marasmo do costume: um crescimento medíocre, sustentado por nada. Espera-se uma forte desaceleração em 2027 com o esgotamento dos efeitos do PRR e do turismo, que já vem a perder dinamismo.
O esgotamento da margem orçamental em 2026 – após a distribuição de benesses e o esgotamento dos efeitos temporários do PRR e da recuperação pós-pandémica do turismo – e a insuficiência de reformas no Estado e na economia para criar margem orçamental futura – de modo a elevar o investimento público e baixar a carga fiscal de forma mais decisiva e sustentável, estimulando o investimento privado –, como alertei na crónica anterior, tornam Portugal exposto a uma eventual nova crise de dívidas soberanas.
O regresso a contas públicas deficitárias devido à distribuição de ‘benesses’ – nesta altura, parece estar na calha o regresso aos 25 dias de férias na função pública, numa ‘nova injeção de dopamina’ política – e uma eventual recessão da economia – que deve ser reformada para se tornar mais resiliente –, rapidamente ameaçariam a trajetória de descida do rácio da dívida. Não é esse o cenário central nesta altura, repito, mas estou a analisar riscos de cauda e há mais pela frente, analisados abaixo.
Assim, ainda que responsáveis do FMI, na divulgação do Fiscal Monitor, tenham afirmado que “Portugal está num bom caminho no que diz respeito às finanças públicas”, esse caminho pode rapidamente ‘fugir dos nossos pés’, como mencionei acima.
A redução do nosso rácio de dívida pública até 2030 (para 77,4%, face a 94,9% em 2024) nos números do WEO do FMI depende de pressupostos de crescimento e de financiamento em mercado que poderão não se verificar numa crise – sobretudo se for económica e financeira em simultâneo –, tendo Portugal uma margem reduzida, com uma despesa corrente muito rígida e em aceleração, como tenho alertado.
Daí que o ajustamento orçamental numa eventual recessão ou crise mais profunda se fará sempre primeiro, tal como no passado, pela via mais fácil da subida de impostos e da compressão do investimento, o que penalizaria a competitividade, comprometendo os compromissos atuais do governo nesse sentido.
Se o FMI apresenta valores previsionais de saldo orçamental em 2025 e 2026 próximos dos do governo (0,2% e 0,0% do PIB, face a 0,3% e 0,1% nos números do OE26), a verdade é que aponta para o regresso a défices nos anos seguintes (-0,2% em 2027, agravando-se gradualmente até -0,9% em 2030). Igualmente importante, corrigindo o efeito do ciclo económico e das medidas extraordinárias, ao contrário do que aponta o governo, o saldo orçamental estrutural correspondente é negativo em 2025 e 2026 nas contas do FMI (-0,1% e -0,4% do PIB potencial, respetivamente, que compara com 0,5% e 0,2% nos números do OE26) e agrava-se nesse ano e nos seguintes (até -0,9% em 2030).
Isto significa que uma eventual recessão, de origem interna ou externa, rapidamente faria descarrilar as contas para um défice significativo já em 2026 – podendo mesmo inverter a trajetória de redução do rácio da dívida –, admitindo que o FMI tem ‘contas mais certas’, pois o CFP apontou inconsistências nos dados do saldo estrutural e produto potencial do governo no parecer do OE26, como referi na crónica anterior.
Outra hipótese de eclosão de uma crise de dívidas soberanas é na sequência de um crash bolsista – foi o que aconteceu em 2010, após a crise do subprime nos EUA de 2008, ainda que esta tenha tido características muito próprias – ou de uma crise bancária, cenários que abordo nos pontos seguintes.
(ii) Perigo de uma correção abrupta nos mercados acionistas, em particular no setor tecnológico ligado à Inteligência Artificial
O surto atual de investimento e as valorizações excessivas em empresas tecnológicas, neste caso ligadas à Inteligência Artificial (IA), recordam a bolha “dot-com” dos anos 1990.
Ainda que o financiamento atual seja menos alavancado e muitas dessas empresas já estejam a gerar receitas (o que não acontecia com muitas empresas de internet, apenas baseadas em expectativas), o FMI considera plausível um ajustamento significativo das cotações, com potenciais efeitos de contágio sobre o sentimento dos investidores e os fluxos de capital globais.
Se uma correção dos mercados é saudável e até desejável nesta altura, um crash bolsista, como o que aconteceu na viragem do milénio, poderia provocar uma recessão global, que afetaria também Portugal.
Em qualquer dos casos, sublinho que, tal como aconteceu com o crash dot-com, uma eventual correção, ou mesmo crash bolsista, ligado à IA, não coloca em causa o impacto potencial de longo prazo desta tecnologia transversal na produtividade e crescimento económico, desde que sejam salvaguardados os riscos, também eles grandes. Todos nós sentimos no dia-a-dia o impacto positivo da internet nas nossas vidas, mas também conhecemos os riscos crescentes, nomeadamente ao nível da cibersegurança.
(iii) Risco sistémico associado às entidades financeiras não bancárias, incluindo os criptoativos
O rápido crescimento de entidades financeiras não bancárias (fundos de investimento, crédito privado, plataformas digitais, seguradoras, etc.), ou “não bancos”, tem criado interligações complexas com o sistema bancário sem a correspondente cobertura regulatória. Isto porque “os não bancos”, ao não estarem sujeitos à regulação estrita dos bancos, têm menos custos e podem crescer mais rapidamente.
Uma perturbação nestes segmentos — por exemplo, corridas a fundos ou perdas em ativos digitais — poderia propagar-se ao sistema financeiro tradicional, sobretudo em bancos com exposições significativas a essas entidades, com potencial para provocar uma crise financeira internacional.
No recente Global Financial Stability Report, o FMI alerta que os “não bancos já detêm cerca de metade dos ativos financeiros do mundo” e a interconexão com os bancos representa um canal de contágio particularmente preocupante por interconexões, opacidade regulatória e possível stress de liquidez / resgates forçados. Ou seja, se um “não banco” sofrer perdas ou resgates em massa, pode haver pressão para vender ativos ou recorrer a linhas de crédito, potencialmente afetando contrapartes bancárias. Alguns bancos já operam com exposições a “não bancos” que ultrapassam seus capitais regulatórios, o que aumenta o risco de solvência em cenários adversos.
Quanto às criptomoedas, embora muitos bancos ainda estejam pouco expostos diretamente, o risco está em componentes adjacentes: fintechs, subsidiárias digitais, colaterais em cripto, e plataformas de empréstimos cripto que possam estar interligadas com o sistema bancário. Sob choques fortes, essas ligações podem criar stress adicional.
À partida, este tipo de risco internacional afetará mais Portugal se provocar uma recessão global, admitindo que a banca nacional está com uma situação financeira robusta nesta altura e que o risco dos “não bancos” é relativamente pequeno no nosso país, mas caberá ao Banco de Portugal, agora sob a governação de Álvaro Santos Pereira, estar atento e avaliar permanentemente esse tipo de risco.
(iv) Interação de riscos financeiros, ampliando impactos
Há ainda a possibilidade de interação os três tipos de riscos financeiros referidos, ampliando os impactos negativos, que serão maiores se forem económicos e financeiros em simultâneo. Por exemplo, a detenção excessiva de dívida pública pelos bancos agrava os riscos em caso de crise de dívida soberana, que, por sua vez, pode espoletar uma correção ou crash bolsista como sucedeu há uns anos. Por outro lado, outro tipo de riscos, como os geopolíticos e comerciais, pode ser um rastilho para um crash bolsista e outros riscos financeiros descritos acima, com destaque para uma eventual invasão de Taiwan pela China, cujo impacto analiso mais abaixo.
O risco de a inovação se deslocar ainda mais para os EUA e China, deixando a UE e Portugal mais pobres
O Prémio Nobel da Economia de 2025 foi atribuído a Joel Mokyr, Philippe Aghion e Peter Howitt por “terem explicado o crescimento económico impulsionado pela inovação”. Mokyr foi distinguido pela sua análise histórica sobre como o progresso científico e tecnológico depende de instituições e culturas abertas à mudança, enquanto Aghion e Howitt foram reconhecidos pela formalização teórica do modelo de “destruição criativa”, inspirado em Joseph Schumpeter – Aghion, P., and Howitt, P. (1992). A model of growth through creative destruction. Econometrica, 60(2), 323-351; https://doi.org/10.2307/2951599. A ligação ao pensamento schumpeteriano é direta: os laureados mostraram, com base empírica e modelação matemática, como o processo contínuo de substituição de tecnologias e empresas antigas por novas é o verdadeiro motor do crescimento económico. O prémio reforça, assim, a visão de Schumpeter de que a inovação — mais do que o simples acumular de capital — é a força dinâmica central das economias capitalistas.
Como alertou recentemente o professor Nuno Palma, se a Europa não conseguir construir um ecossistema inovador competitivo, com universidades fortes, incentivos institucionais e capitais de risco, há o risco real de que futuros centros de inovação — empresas, startups, patentes e talentos — migrem de forma ainda mais acelerada para os EUA ou para a China, que já dominam as fronteiras tecnológicas.
O Chanceler alemão Friedrich Merz referiu recentemente que é necessário criar uma bolsa de valores europeia única para que empresas de sucesso — incluindo empresas biotecnológicas como a alemã BioNTech — não se vejam obrigadas a ir para os EUA para captar financiamento.
Se a fuga de startups alemãs de sucesso é real, ainda é maior no caso de Portugal, por maioria de razão.
O risco de cauda é deixar de haver inovação com impacto disruptivo e decisivo para o crescimento económico em território europeu, penalizando o nível de vida da UE e Portugal.
Riscos comerciais e geopolíticos, que no limite podem minar o projeto europeu e a economia global
O risco de uma nova guerra mundial não está, infelizmente, afastado do horizonte, mas já temos, de forma relacionada, uma guerra na Ucrânia em que intervêm as principais potências mundiais, de forma direta ou indireta. O escalar para um conflito militar mundial, que penalizaria a economia mundial de forma dramática, é, por isso, um risco de cauda.
O mesmo sucede caso a guerra comercial entre EUA e China não se resolva em termos moderados, pois as empresas chinesas, em particular, tenderão a escoar para a UE os produtos que deixarem de vender nos EUA, causando ainda mais problemas às empresas europeias, incluindo as portuguesas, caso as autoridades europeias não tenham uma resposta adequada. No limite, a Alemanha poderia cair em depressão e até fazer ruir o projeto europeu — pois este depende, em grande medida, do mecanismo de transferências do Orçamento da UE, que está muito assente na contribuição alemã —, um risco de cauda que abalaria as próprias fundações em que assentam as instituições económicas e sociais portuguesas.
Destaco ainda, nesta secção, que uma eventual invasão de Taiwan pela China representaria um dos maiores choques geoeconómicos das últimas décadas, com impacto imediato e profundo nos mercados financeiros globais. Taiwan é responsável por mais de 60% da produção mundial de semicondutores e por mais de 90% dos chips de alta performance, através da Taiwan Semiconductor Manufacturing Company (TSMC), que é a espinha dorsal de setores estratégicos como a indústria automóvel, as telecomunicações, a inteligência artificial e a defesa. Qualquer interrupção da produção ou do fornecimento da TSMC teria efeitos devastadores nas cadeias de valor globais, desencadeando uma escassez de componentes, aumento de custos e colapso temporário da produção tecnológica a nível mundial.
Nos mercados de ações, a incerteza provocada por um conflito desta dimensão faria despencar as bolsas asiáticas e geraria fortes correções nos índices norte-americanos e europeus, especialmente nos setores tecnológico e industrial. Empresas dependentes dos chips da TSMC — como Apple, Nvidia, AMD, Qualcomm ou Tesla — veriam as suas ações penalizadas de forma imediata. Ao mesmo tempo, o risco geopolítico crescente e o potencial de sanções cruzadas entre a China e o Ocidente poderiam provocar uma fuga massiva para ativos considerados seguros, como o ouro, o dólar e as obrigações do Tesouro norte-americano. Em suma, um conflito em torno de Taiwan não seria apenas uma questão regional: seria um choque sistémico com potencial para redefinir o equilíbrio tecnológico e financeiro global.
Os riscos da imigração: da ‘balda’ à rigidez — e o perigo de um novo desequilíbrio
Durante anos, Portugal confundiu abertura com ausência de controlo. A política migratória foi conduzida com ligeireza, sem planeamento, sem critérios claros e sem capacidade administrativa para gerir o fluxo de entrada. O país abriu portas a todos, sem distinguir perfis, sem prever a integração e sem calibrar as necessidades do mercado de trabalho. A “balda” institucional — essa mistura de boa vontade, amadorismo e cálculo político — gerou o que agora se tenta corrigir à pressa: uma pressão real sobre os serviços públicos, a habitação e o emprego, e uma erosão da confiança dos cidadãos num processo que parecia servir todos, menos o país.
A desordem não serviu sequer os imigrantes que recebemos. Muitos foram deixados à sua sorte, entregues a redes informais, a promessas falsas e a condições indignas de trabalho e habitação. O Estado ausentou-se onde devia proteger, e o acolhimento transformou-se, demasiadas vezes, em abandono. Traímos, assim, os nossos próprios valores humanistas, porque acolher exige mais do que abrir fronteiras: exige integrar, respeitar e dar dignidade a quem escolhe viver entre nós.
Uma política migratória desordenada é um convite ao populismo, um claro risco de cauda social e, paradoxalmente, uma forma de desumanidade travestida de tolerância.
Agora, perante os excessos do passado, corre-se o risco oposto: o de transformar a correção em cerco. A restrição dos vistos de trabalho a apenas trabalhadores altamente qualificados (defendida pelo ministro da Presidência) e a tentativa de impor um dos regimes de naturalização mais rígidos da UE podem ter efeitos perversos sobre o crescimento económico, como já alertaram algumas agências de rating. Num cenário em que a economia continua a crescer, a escassez de mão-de-obra estrangeira qualificada em diferentes áreas travará o potencial produtivo. Assim se compreende que, por sua vez, o ministro das Finanças defenda a necessidade de imigrantes com qualificações técnicas — carpinteiros, mecânicos, eletricistas, … —, em função da realidade concreta, e o ministro da Economia e Coesão aponte que faltam trabalhadores na construção, onde predominam as baixas qualificações.
Num cenário de crise internacional, os novos entraves à imigração agravarão o declínio, tal como sucedeu após 2011, mas agora por escolha política e não por falta de oportunidades. A Europa precisa de políticas migratórias inteligentes, e Portugal não pode passar da negligência à claustrofobia — de fronteiras escancaradas a portas seladas. Entre a balda e o bloqueio, há um país que se perde no caminho da racionalidade.
O risco de uma correção em baixa dos preços da habitação
Uma crise externa significativa — por exemplo, um abalo geopolítico ou uma recessão global — poderia desencadear uma correção em baixa dos preços da habitação em Portugal, após vários anos de valorização acelerada, com potencial impacto negativo no rendimento das famílias e nos balanços dos bancos. O mercado imobiliário português tem beneficiado de condições financeiras excecionalmente favoráveis, do investimento estrangeiro e da perceção de segurança económica e política. No entanto, um choque externo que provoque uma retração da procura internacional, uma subida abrupta das taxas de juro ou uma deterioração das expectativas de rendimento das famílias poderia inverter rapidamente essa tendência. A elevada dependência do crédito à habitação e a crescente taxa de esforço dos agregados tornam o setor particularmente vulnerável a mudanças súbitas nas condições macroeconómicas.
Além disso, uma eventual desaceleração do turismo ou uma quebra no investimento estrangeiro — ambos sensíveis a crises globais — teria impacto direto nos segmentos mais dinâmicos do mercado, como o alojamento local e a habitação de luxo em Lisboa, Porto e no Algarve. A conjugação desses fatores poderia levar a uma descida expressiva dos preços, sobretudo nos centros urbanos mais valorizados, e expor riscos sistémicos no sistema bancário. Embora uma correção moderada pudesse restaurar algum equilíbrio no acesso à habitação, uma queda abrupta, embora de probabilidade baixa (exigiria uma crise severa), teria efeitos negativos impactantes no consumo, na confiança dos agentes económicos e na estabilidade financeira do país, sendo esse o risco de cauda.
Conclusão
Por isso, à pergunta sobre se Portugal está preparado para estes vários tipos de risco aqui elencados, a resposta honesta é que não. Nalguns domínios houve progressos relevantes e noutros houve retrocessos. Falta-nos uma verdadeira cultura de prevenção e planeamento estratégico de longo prazo, substituídas demasiadas vezes por respostas reativas e horizontes políticos curtos, o célebre ‘desenrascanço’ nacional.
Os riscos de cauda – sejam eles sísmicos, financeiros, tecnológicos, geopolíticos e outros (analisei apenas os que considero mais prementes na conjuntura atual, embora existam outros riscos que também justificam atenção, como o de uma nova pandemia) – exigem instituições resilientes, descentralização administrativa, contas públicas sólidas, uma economia mais diversificada e inovadora, e uma sociedade civil informada e exigente.
Portugal tem condições para se proteger melhor: Dispõe de capital humano qualificado, uma posição geoestratégica relevante e integração plena na UE. Mas isso só bastará se formos capazes de traduzir diagnósticos em reformas estruturais, adotando uma visão de futuro que olhe além do ciclo político.
O risco político é corrosivo porque multiplica todos os outros. É nele que os riscos de cauda — raros, mas devastadores — ganham força. Nenhuma sociedade resiste a choques graves quando tem lideranças frágeis, impreparadas ou moralmente duvidosas. Um país pode suportar uma crise económica, uma pandemia ou até um colapso financeiro; o que não sobrevive é à ausência de quem comanda com lucidez e coragem.
Em suma, preparar-nos para o improvável, no que depende de nós, não é pessimismo — é prudência e maturidade coletiva. Porque, como a História nos recorda, as crises raramente avisam antes de chegar. Por isso, o maior risco que enfrentamos é, provavelmente, o político: o de um país que continua a expulsar o mérito, a competência e a integridade da vida pública — como se o talento fosse uma ameaça e a decência, um defeito.
O risco político é corrosivo porque multiplica todos os outros. É nele que os riscos de cauda — raros, mas devastadores — ganham força. Nenhuma sociedade resiste a choques graves quando tem lideranças frágeis, impreparadas ou moralmente duvidosas. Um país pode suportar uma crise económica, uma pandemia ou até um colapso financeiro; o que não sobrevive é à ausência de quem comanda com lucidez e coragem.
Sem liderança qualificada e instituições que premiem a substância em vez do espetáculo, nenhum plano, por mais técnico ou moderno que pareça, resiste ao teste do tempo. Preparar-nos para o improvável exige ética, visão e coragem — virtudes hoje tratadas como excentricidades num sistema que recompensa o cálculo, o marketing e o medo de desagradar.
A política tornou-se o espelho de um país que confunde ruído com ação e popularidade com valor. A má moeda expulsa a boa: o mérito incomoda, a competência levanta suspeitas e a integridade é punida com isolamento. Celebram-se os que sabem posar, promovem-se os que alinham sem perguntar.
As carreiras políticas transformaram-se num jogo de sobrevivência entre lealdades e aparências, onde o critério já não é servir o país, mas permanecer na fotografia. E os melhores — mesmo que já tenham provado que poderiam reformar e reduzir riscos de cauda — afastam-se, não por falta de vocação, mas por excesso de vergonha.
Assim, o país empobrece — não só nas contas, mas na alma. Troca excelência por conveniência, coragem por cálculo e liderança por encenação. E quando o chão tremer — seja um terramoto, uma crise financeira ou uma simples reforma do Estado — perceberá, tarde demais, que afastou quem sabia comandar.
A resposta aos riscos de cauda depende, antes de tudo, de quem está ao leme. Enquanto o mérito for punido e a mediocridade recompensada, Portugal não precisará de inimigos: bastar-lhe-á continuar a ser governado por si próprio. A boa política existe — mas precisa de instituições que a protejam e de cidadãos que a exijam.

