Óscar Afonso, ECO Magazine
O país precisa de políticas públicas com visão, pragmatismo e coragem reformista. Só assim poderemos evitar cair para a cauda da atual UE em nível de vida.
Um trabalho recente do Gabinete de Estudos da FEP – Faculdade de Economia do Porto mostra que o nosso nível de vida está sobrestimado quando se considera a forte revisão em alta dos números de estrangeiros residentes divulgada em abril pela AIMA (Agência para a Integração Migrações e Asilo), que ainda não foi incorporada nos dados do INE (Instituto Nacional de Estatística). Em 2026, o nosso nível de vida será o 7º pior na União Europeia (UE) – dois lugares abaixo das atuais previsões da Comissão Europeia (CE) – e à beira de tornar o 6º mais baixo, com a Roménia apenas a duas centésimas. É, por isso, clara a urgência de elevar a competitividade do país e regular a imigração, os temas em foco nesta crónica.
Principais resultados e ilações do estudo (Flash nº 3/2025 do Gabinete de Estudos da FEP)
Começando pelos dados da AIMA, o estudo mostra uma grande alteração demográfica em poucos anos, com os estrangeiros residentes a representarem 14,4% da população total revista no final de 2024 (1,6 milhões de pessoas), após 11,9% em 2023 e 4,1% em 2017 (ver Figura A), refletindo a permissividade do Regime de Manifestação de Interesse (RMI) do PS, o que justificou o seu fim pelo governo AD em jun-24.
Figura A. Peso da população estrangeira com estatuto legal de residente a 31-dez (% da população residente total)

Fonte: Flash nº 3/2025 (Figura 2) do G3E2P – Gabinete de Estudos Económicos, Empresariais e de Políticas Públicas da FEP. Nota: entre parêntesis estão indicados os números absolutos de estrangeiros com estatuto legal de residente nos anos mais recentes.
Além disso, o elevado número dos que entraram em 2023 e 2024 (na ordem dos 300 mil em cada um dos anos, como decorre da Figura A) esteve muito desfasado do crescimento da economia – face aos resultados de um outro estudo de 2024 da FEP, referidos mais abaixo – devido ao RMI, como referi numa crónica anterior. É, por isso, provável que uma boa parte dessas pessoas que entraram sem correspondência nas necessidades da economia esteja hoje na economia paralela – com um contributo económico inferior à pressão que causam nas infraestruturas e serviços públicos do país – devido à falta de regulação.
A fraca convergência de Portugal com o nível de vida da União Europeia (UE) desde 2019, à luz dos números revistos do estudo da FEP (de 77,3% da UE nesse ano para 79,2% em 2024, em vez do valor oficial de 81,6% da CE), apenas atenua marginalmente a marcada divergência desde o início do milénio (de 85,0% em 1999, na 15ª posição na UE na sua atual configuração, para 79,2% em 2024, na 18ª posição) – ver Figura B.
Figura B. Nível de vida relativo de Portugal (UE = 100), antes e após reestimação com os números revistos de estrangeiros residentes da AIMA

Fonte: Flash nº 3/2025 (Figura 1) do G3E2P – Gabinete de Estudos Económicos, Empresariais e de Políticas Públicas da FEP.
O contraste é claro com a forte convergência da Roménia no mesmo período (de 26,9% em 1999 para 69,1% em 2019 e 78,3% em 2024 – Figura C), refletindo um crescimento económico muito acima do nosso – embora temporariamente encurtado desde 2022, devido à guerra na Ucrânia (ver Figura D) –, tendo entrado muito depois na UE e, aparentemente, aproveitado muito melhor o menor volume de apoios europeus recebido. A provável ultrapassagem em nível de vida pela Roménia nos próximos anos – o valor de 79,45% da UE em 2026 estará já só marginalmente abaixo dos 79,47% de Portugal, segundo as previsões da CE revistas pelo estudo da FEP –, quando esse país era um dos mais pobres a nível europeu ainda há pouco anos, é algo que nos deve fazer envergonhar e, sobretudo, exigir melhores políticas públicas aos governos eleitos.
Figura C. Nível de vida relativo (UE = 100) de Portugal – série revista à luz dos novos dados de estrangeiros da AIMA – e Roménia

Fonte: Flash nº 3/2025 (Figura 5) do G3E2P – Gabinete de Estudos Económicos, Empresariais e de Políticas Públicas da FEP.
Figura D. Crescimento económico da UE, Portugal e Roménia (variação média anual, %)

Fonte: Flash nº 3/2025 (Figura 6) do G3E2P – Gabinete de Estudos Económicos, Empresariais e de Políticas Públicas da FEP.
A fraca convergência de nível de vida Portugal com a UE entre 2019 e 2024, numa altura em que a economia cresceu, em média, acima da UE – esbatidos os efeitos da pandemia e da guerra na Ucrânia –, o que deverá prosseguir até 2026, confirma um modelo económico assente em atividades de baixa produtividade e valor acrescentado – pouco diversificado e demasiado dependente do turismo –, que urge inverter. São precisas reformas que elevem a competitividade do país e o seu perfil de especialização, para que se torne mais intensivo em conhecimento e tecnologia – com mais indústria e serviços de alto valor acrescentado –, impulsionando a produtividade e os salários, de modo a reter e absorver o nosso talento jovem, travando a sua emigração e atraindo imigração qualificada complementar.
O nosso crescimento económico recente, acima da UE e da baixa tendência de crescimento neste milénio (na ordem de 1% ao ano), tem sido empolado pela subida da população estrangeira – mesmo os que estarão na economia paralela contribuem para o PIB, ao consumirem, embora muito menos do que quem esteja inserido na economia formal –, como salienta o estudo da FEP. E a dinâmica só tem sido possível, como venho a alertar, pelos efeitos temporários do ‘boom’ turístico pós-pandemia e do PRR, que estará a mobilizar sobretudo a construção – um setor crucial, sem dúvida, até porque são precisas mais casas –, atraindo parte dos imigrantes, mas com uma produtividade abaixo da média à semelhança do turismo.
Quando relativizamos o crescimento do PIB pela evolução revista da população, na série de nível de vida reestimada no estudo, vemos que o progresso de convergência é pequeno. Portugal tem a 5ª maior subida média anual da população da UE em 2019-2026 na série revista da CE, devido à imigração, enquanto a Roménia regista um recuo (1,1% e -0,3%, respetivamente – ver Figura E), mas o seu crescimento económico ficou até um pouco acima do nosso, explicando a maior subida de nível de vida neste período.
Figura E. Evolução da população residente média da UE, Portugal – considerando os dados da AIMA – e Roménia (variação média anual, %)

Fonte: Flash nº 3/2025 (Figura 7) do G3E2P – Gabinete de Estudos Económicos, Empresariais e de Políticas Públicas da FEP.
Considerando as áreas que têm atraído mais imigrantes, é urgente evoluirmos de um turismo ainda sobretudo de massas para modelos que gerem maior valor por turista para o país, enquanto na construção têm surgido técnicas inovadoras – que permitem construir mais rápido, com mais produtividade (e menos mão de obra necessária em cada obra) e até de forma mais sustentável –, pelo que seria importante estimular o seu uso, e na agricultura a produtividade pode aumentar com mais mecanização, o que requer o aumento da dimensão fundiária média. Precisamos ainda de desenvolver a indústria – incluindo na área da Defesa, para cumprir as novas metas da NATO – e serviços de elevado valor, como já referido.
Para entrarmos na metade de países com maior nível de vida da UE até 2033, a economia deve crescer 2,4% ao ano (em média) num cenário mais realista em que a UE só cresce 1% ao ano (face ao contexto mais adverso), o que, já tendo em conta o maior número de estrangeiros residentes, baixa para 80 mil o número anual de imigrantes necessário para atingir esses objetivos – valor revisto face aos 138 mil anuais para a economia a crescer 3% ao ano no estudo de 2024 da FEP, que assumia a UE a crescer 1,5% –, ainda assim traduzindo um fluxo muito mais alto do que na média desde o início do milénio.
A conclusão é que continuaremos a precisar de imigração (face ao envelhecimento da população), mas com mecanismos que a regulem eficazmente em função das necessidades da economia e da capacidade de absorção e integração social e dos serviços públicos, como tenho vindo a afirmar.
Após a apresentação das principais conclusões do estudo – o Flash nº 3/2025 pode ser consultado no site do Gabinete de Estudos Económicos, Empresariais e de Políticas Públicas (G3E2P), sendo complementado pela notícia FEP associada (comunicado de imprensa) –, mais algumas apreciações adicionais, faço um ponto de situação e análise dos desenvolvimentos mais recentes em matéria de imigração – disparidade de dados existentes e Lei de Estrangeiros – e competitividade.
As diferenças entre os números de estrangeiros residentes da AIMA e do INE, e a Lei de Estrangeiros
O estudo da FEP, com data de corte da informação a 22 de julho e usando somente informação pública, evidencia que as Estimativas de População Residente divulgadas em junho pelo INE não incorporam os novos números de estrangeiros residentes da AIMA, presumivelmente por serem provisórios (pelo menos os relativos a 2024, como assume o relatório da AIMA), sendo as diferenças substanciais – ver Figura F.
Figura F. População residente total de Portugal a 31-dez (nº de pessoas)

Fonte: Flash G3E2P nº 3/2025 (Figura 4) do G3E2P – Gabinete de Estudos Económicos, Empresariais e de Políticas Públicas da FEP.
Presumiu-se ainda que o INE estaria à espera do relatório final de Migrações e Asilo, que costuma ser divulgado em setembro, para rever a sua série do número de estrangeiros residentes, que é atualizada precisamente nesse mês – os valores de estrangeiros do INE são praticamente iguais aos desse relatório, como mostra a Figura G –, a que se seguirá a atualização da população residente total (nomeadamente) nas estatísticas demográficas que divulgará em novembro, segundo o calendário do portal do INE.
Figura G. População estrangeira com estatuto legal de residente em Portugal a 31-dez (nº de pessoas)

Fonte: Flash G3E2P nº 3/2025 (Figura 3) do G3E2P – Gabinete de Estudos Económicos, Empresariais e de Políticas Públicas da FEP.
Como referido no estudo da FEP, o Presidente da República alertou recentemente para a diferença entre os dados de estrangeiros residentes (e população total) do INE e governo (AIMA), que “uma coisa não joga com a outra” e, sem dados, não é possível gizar medidas com “cabeça, tronco e membros”. Justamente por isso, um dos objetivos do trabalho foi precisamente evidenciar que a informação da AIMA sobre estrangeiros será fonte primária a incorporar pelo INE nos seus dados (após tratamento).
Após uma conversa recente do Presidente com o Primeiro-ministro, penso que lhe terá sido transmitida essa perspetiva, pois a seguir o Presidente mostrou-se mais convencido quanto à importância dos números da AIMA, que revelam uma entrada descontrolada de imigrantes e a urgência do governo em a regular com a nova Lei de Estrangeiros, que foi submetida e aprovada no Parlamento pouco tempo antes do seu encerramento para férias (25 de julho, sexta-feira, foi o último dia de trabalhos parlamentares).
Contudo, a apreciação subsequente do Presidente a este respeito não terá sido a mais feliz, por estar fora da realidade estatística, ao referir “fica-se com a sensação de que quem tem razão é a AIMA, e não o INE”. As séries estatísticas exigem tratamento e, por vezes, articulação entre entidades do Estado, como é o caso. A questão, por isso, não é quem “tem razão”, mas perceber a divergência de dados das duas fontes.
Segundo comunicado do INE, na sequência destas declarações, “a AIMA ainda não transmitiu ao INE informação sobre ‘População estrangeira com título de residência válido em 31 de dezembro e ‘Concessões de títulos de residência’ relativa a 2024, nem revisões de dados enviados em anos anteriores, encontrando-se o INE na expectativa de vir a receber essa informação o mais breve possível, no âmbito da articulação das duas entidades”.
Ou seja, parece ser a AIMA que está em falta no envio de dados dentro do protocolo existente e presume-se que o INE não estaria à espera da divulgação intercalar dos números de estrangeiros pela AIMA, mas que se percebe face ao descontrolo das entradas e para justificar a revisão urgente da Lei de Estrangeiros. Dado o elevado volume de regularizações em curso pela AIMA, a exiguidade de recursos – mesmo após o seu reforço pelo governo – e o facto de ser uma entidade muito recente (substituindo parte das atribuições do extinto SEF – Serviço de Estrangeiros e Fronteiras), admito que possa não ter sido possível à AIMA cumprir o protocolo atempadamente, mas aguardo explicações do governo.
De qualquer forma, confirma-se que a informação primária é da AIMA, pelo que mantenho a conclusão do comunicado do estudo da FEP de que “é preciso integrar mais rapidamente os dados da AIMA nas estatísticas do INE e da UE para assegurar dados coerentes e atempados no suporte às políticas públicas”.
De futuro, numa altura de maior normalidade da atividade da AIMA, seria desejável que o protocolo com o INE fosse melhorado não apenas na coordenação dos dados de estrangeiros, evitando os desfasamentos observados, mas também aumentar a frequência dessa informação para suporte às políticas públicas.
Este episódio insólito entre a AIMA e o INE ilustra, com clareza quase surreal, a desconexão a que chegou a máquina administrativa do Estado: dois organismos públicos em desacordo público quanto à divulgação de dados produzidos pelo Estado, que não circulam no seu interior, mas passam para o exterior. O inerente desfasamento de dados entre esses organismos dificulta a condução das políticas públicas em matérias prementes, como a imigração, e já gerou mal-estar institucional. A situação torna-se ainda mais absurda quando se constata que os dados primários da AIMA, já públicos e amplamente divulgados, não podem ser utilizados pelo INE por nãp terem sido formalmente comunicados dentro do protocolo estabelecido.
É, no mínimo, desconcertante que o Estado português — através do organismo público INE — tenha de exigir ao próprio Estado português — neste caso, representado pelo organismo público AIMA — que lhe envie dados que pertencem … ao Estado português, para que o Estado português, na figura do organismo público INE, possa cumprir as suas obrigações legais e estatísticas de reporte. Esta fragmentação institucional, burocrática e funcional compromete não só a eficácia das políticas públicas, mas também a credibilidade estatística nacional junto da UE e da opinião pública. Um Estado que não consegue alinhar internamente aquilo que já sabe, dificilmente conseguirá planear o que precisa de fazer.
Isto é apenas uma pequena amostra do muito trabalho que aguarda o Ministro da Reforma do Estado.
É ainda crucial que o INE envie atempadamente os dados atualizados de população total para as entidades estatísticas europeias, pois influem em estatísticas associadas relevantes, como o nível de vida (PIB per capita em paridade de poderes de compra). Como acompanho essas estatísticas, sei que no passado –bem antes desta forte revisão em alta dos estrangeiros – isso nem sempre tem acontecido. Já na altura em que foi elaborado o referido estudo de 2024 da FEP se verificava que a população residente média em Portugal divulgada pelo INE era superior (há bastante tempo) à utilizada pelo Eurostat no cálculo do nível de vida, mas as diferenças não eram tão grandes, pelo que na altura não foram referidas nesse estudo.
Quanto à Lei de Estrangeiros, mesmo após admitir a importância dos números de estrangeiros da AIMA e o descontrolo inerente das entradas, o Presidente da República, tendo dúvidas quanto à constitucionalidade de algumas das normas dessa Lei – com realce para o reagrupamento familiar, protegido pela Constituição e legislação europeia, como referi numa crónica anterior, sendo importante para uma adequada integração dos imigrantes –, enviou entretanto (no dia 24 de julho) o diploma para apreciação urgente do Tribunal Constitucional.
Notícias recentes revelam que o governo e o partido Chega, que viabilizou a aprovação da Lei no Parlamento, reagirão rapidamente a uma decisão do Tribunal Constitucional para acomodar eventuais alterações que sejam necessárias, de modo a terem uma nova versão do diploma expurgada de eventuais problemas e pronta para ser submetida ao Parlamento logo na sua reabertura, em setembro.
Como mencionei em crónicas anteriores e é destacado no comunicado do estudo da FEP, embora a maioria das medidas da Lei de Estrangeiros faça sentido face à urgência de regulação da imigração, alguns aspetos vão longe demais e poderão prejudicar a economia.
Em particular, a restrição dos vistos de trabalho a imigrantes altamente qualificados é um erro, por estar desfasada do perfil de especialização atual da economia portuguesa – que deve progredir, como referido, mas não dessa forma. O foco desses vistos deve ser antes os trabalhadores especializados – com experiência e formação nas respetivas profissões, exigindo mais ou menos habilitações académicas – e adotar metas por profissão nos vários setores em articulação com as entidades representativas das empresas, que melhor conhecem as suas necessidades, e à luz dos dados existentes.
A política de vistos de trabalho deve complementar a via verde da imigração, que a regula pelas necessidades da economia, como deve ser, através do contrato de trabalho prévio – como sugeria o estudo de 2024 da FEP. Contudo, são precisas melhorias neste mecanismo dada a baixa execução que tem vindo a público e atendendo ao fluxo de imigrantes que continuaremos a precisar se queremos que a economia cresça mais de forma sustentada e possamos entrar no grupo de países mais ricos da atual UE.
Também dentro do chamado “pacote de imigração” acordado entre o governo AD e o Chega, as restrições previstas ao regime de naturalização (Lei da Nacionalidade), que serão submetidas ao Parlamento em setembro, tornam-no um dos menos atrativos da UE também para os qualificados, o que conflitua com o objetivo de atração de estrangeiros qualificados da política de vistos de trabalho e poderá prejudicar o fluxo global de imigração necessário à dinâmica económica – ainda que revisto em baixa no estudo.
A reforma do Estado, a baixa do IRC e a flexibilização do mercado de trabalho são boas notícias
Face à maior urgência em aumentar a competitividade da economia que resulta do estudo da FEP, é positivo que o governo esteja a apresentar medidas nesse sentido. A questão é saber se estão a ser suficientes, em profundidade e abrangência. Abaixo mostro que é precisa uma maior ambição.
Quanto à descida do IRC, já referi na crónica da semana passada que o programa eleitoral da AD de 2024 (baixa da taxa geral em 2 pontos percentuais, p.p., por ano, até 15% em 2027) era bem mais ambicioso do que o de 2025 e que está plasmado no programa de governo e no anúncio no debate do Estado da Nação (redução gradual de 1 p.p. por ano, até 17% em 2028). Contudo, o Chega poderá pressionar a uma proposta mais ambiciosa se o governo quiser aprovar a medida, ano a ano no Parlamento, e já exige uma descida em paralelo da derrama estadual progressiva, que considero deve ser eliminada para atrairmos investimento estruturante sem recorrer tanto ao regime contratual de investimento, pouco transparente.
Nessa crónica, referi ainda que não houve novidades sobre a reforma do Estado durante o debate, após a criação de um ministério com esse nome – pelo menos, algumas iniciativas emblemáticas previstas, pois não se pode exigir mais nesta fase inicial –, que terá um trabalho difícil, mas crucial à sua frente. Precisamos de um menor, mas melhor Estado, que sirva melhor cidadãos e empresas e absorva menos recursos, abrindo espaço orçamental para reduzir a carga fiscal e aumentar o investimento público. O foco inicial do novo Ministério é a redução da burocracia, o que é crucial e deverá orientar a reorganização dos serviços, mas precisamos de ir mais além, nomeadamente repensando as funções do Estado.
Finalmente, saúdo a proposta de flexibilização das regras do mercado de trabalho – nomeadamente no que se refere ao outsourcing, banco de horas individual e lei da greve – colocada pelo governo à discussão dos parceiros sociais, incluindo a correção de alguns aspetos da chamada “Agenda do Trabalho Digno” que penalizaram a competitividade. Não me vou pronunciar em concreto sobre as propostas – até porque não as conheço todas, apenas algumas que tenho visto nos media –, mas farei uma apreciação quando houver informação pública sobre as medidas acordadas em sede de concertação social neste domínio.
Essas são apenas algumas das reformas estruturais de que o país precisa. Nos próximos 12 a 15 meses, a FEP irá colaborar no desenvolvimento de um estudo sobre reformas estruturais promovido pela Associação Comercial do Porto (ACP), com coordenação de Pedro Passos Coelho e Sérgio Sousa Pinto.
Conclusão
O crescimento económico recente tem sido empolado por efeitos conjunturais (turismo e PRR) e pela subida da população residente com a entrada desregulada de estrangeiros, desligada da economia – ainda devido ao erro que foi o RMI, entretanto extinto –, e não por ganhos substantivos de produtividade, explicando que pouco nos tenhamos aproximado do nível de vida da UE apesar do nosso PIB estar a crescer a um ritmo acima da média. O estudo da FEP mostra que, afinal, estamos a convergir a um ritmo insuficiente e a aproximar-nos da cauda da Europa em nível de vida, para 7º pior em 2026 e perto de sermos ultrapassados pela Roménia, que era um dos países mais pobres da União até há pouco tempo.
Perante este diagnóstico, torna-se ainda mais urgente reformular o modelo económico, apostando numa economia mais diversificada – menos dependente do turismo, que deve evoluir em valor – e intensiva em conhecimento e tecnologia, com maior produtividade e capacidade de pagar salários que fixem e atraiam talento, mas precisamos de imigrantes especializados nas várias profissões, incluindo as menos qualificadas (exigindo menos habilitações académicas), para contrariar o envelhecimento populacional.
Com o tempo, caso haja melhorias visíveis no perfil de especialização e na produtividade – que poderá ser potenciada pela Inteligência Artificial, caso o seu uso efetivo e responsável seja promovido nas organizações, com apoio do Estado –, é previsível que o fluxo de imigração necessário à economia possa baixar, sobretudo o dos menos qualificados, mas não se extinguirá, como alguns ainda apregoam.
Veja-se o caso do Japão, o país com maior uso de tecnologia e robótica a nível mundial, mas que não chega para contrariar os efeitos do envelhecimento da população na economia, precisando de mais imigração, que tem limitado por razões culturais – segundo um think tank estatal japonês, em 2040 o país precisará de mais um milhão de estrangeiros se o governo quiser atingir as metas de crescimento.
Por maioria de razão, tendo Portugal uma produtividade muitíssimo inferior à do Japão, mesmo que melhore a esse nível através de uma maior utilização de tecnologia, continuará a precisar de imigração, que deve ser regulada pelas necessidades da economia a cada momento e acompanhada de políticas eficazes de integração – sem ‘portas escancaradas’, mas também ‘sem muros’.
O pacote de imigração vai na direção certa, ao eliminar a permissividade do passado, mas não pode cair no erro oposto, como parece ser o caso na política de vistos de trabalho restringida a imigrantes altamente qualificados e nas alterações ao regime de naturalização, tornando-o um dos mais restritivos na UE.
Da mesma forma, as iniciativas recentes do governo para aumentar a competitividade são positivas, com realce para a redução do IRC, que deve ser mais ambiciosa e o Chega poderá forçar a isso. A flexibilização do mercado de trabalho está ainda em negociação com os parceiros sociais, aguardando-se também notícias da reforma do Estado. Esta terá de ir além da desburocratização de modo a libertar recursos para aumentar o investimento público, bem como o privado, via redução da carga fiscal, que sem essa reforma não será sustentável – de pouco servirá baixar agora uns impostos, para depois ter de subir outros.
Serão ainda precisas outras reformas, que a FEP irá procurar desenvolver, de forma integrada e abrangente, no estudo patrocinado pela ACP.
O país precisa de políticas públicas com visão, pragmatismo e coragem reformista. Só assim poderemos evitar cair para a cauda da atual UE em nível de vida – se nada mudar – e aspirar a entrada na metade de países mais ricos desse espaço num horizonte razoável – garantindo aos nossos cidadãos um bem-estar compatível com os seus legítimos desejos, incluindo condições de vida dignas para os jovens poderem cá constituir família, ajudando a construir o seu país, em vez de emigrar para conseguirem um futuro melhor.