José António Moreira, Jornal i online
“Como é possível uma empresa manter-se em funcionamento enquanto regista prejuízos consecutivos?”
Há meses, o jornal Negócios titulava que um quarto das empresas portuguesas está em falência técnica, por tal se entendendo que têm capitais próprios negativos. Isto significa, de forma simplificada, em linguagem corrente, que os bens que possuem não chegam para liquidar as dívidas existentes.
Como é referido na mencionada publicação, a proporção de empresas nessa situação varia consoante o setor de atividade – por exemplo, no alojamento e restauração ultrapassa os 40% –, mas mantém-se relativamente constante ao longo do tempo. Logo, não é consequência de uma situação económica adversa pontual.
Resulta, sim, da ocorrência de prejuízos consecutivos verificados por tais empresas, por vezes durante mais de uma década. Essa situação vai consumindo o capital da empresa até ao ponto em que, uma vez este esgotado, se começam a consumir os bens que deveriam servir para pagar aos credores. Por isso, como se referiu, em casos de falência técnica deixa de haver condição para pagar a totalidade das dívidas.
“Como é possível uma empresa manter-se em funcionamento enquanto regista prejuízos consecutivos?”, é a pergunta que, face a tal contexto, qualquer pessoa se coloca. A questão é pertinente, até porque a verificação de prejuízo num ano significa, de modo simplificado, que a empresa, na sua atividade operacional, teve um montante de pagamentos superior ao de recebimentos. Admitindo a repetição de prejuízos, parece improvável que uma empresa consiga cumprir os seus compromissos financeiros quando, repetidamente, entra menos dinheiro do que o que sai.
A condição que permite a tais empresas manterem-se em atividade, apesar de apresentarem consecutivamente prejuízos, é o carácter “fictício” destes, sendo reportados com o objetivo fiscal de não pagar impostos ou reduzir o respetivo montante.
Tome-se um caso ilustrativo. No setor da panificação, uma em cada três padarias apresenta capitais próprios negativos, devido, como se referiu, à acumulação de repetidos prejuízos anuais. Quando o leitor vai comprar pão, certamente já constatou que muitas das vendas realizadas pela padaria não originam a emissão da correspondente fatura. Dado que uma transação não faturada não consta como venda na contabilidade, este é o primeiro passo para a ocorrência de prejuízos, porque, em geral, os gastos com a produção do pão – farinha, energia, mão de obra, etc. – são integralmente contabilizados.
Alguns números: admita-se que a padaria vendeu pão no montante de 500, tendo gastado 400 para o produzir. Como subfaturou as vendas em 150 – emitindo faturas apenas no montante de 350 – o resultado do período é um prejuízo de 50. Por conseguinte, a atividade anual desta empresa é economicamente rentável, embora ela apresente prejuízo.
Os 150 que foram recebidos, mas não faturados, entram no que a gíria designa por “saco azul” (o bolso dos sócios). Contabilística e legalmente, essa verba não existe. Foi obtida na denominada economia paralela. Porém, para que a empresa possa continuar a efetuar os seus pagamentos – a credores, fornecedores e empregados – necessita, pelo menos, que uma parte desse montante entre no seu cofre e esteja inscrita nos livros contabilísticos. Para o conseguir, o dinheiro entra nas contas da empresa como “empréstimo” dos sócios (os denominados suprimentos).
Quer neste caso extremo, em que as empresas reportam prejuízos, quer na situação em que efetuam subfaturação, mas planeiam os registos de modo a reduzirem o resultado anual sem caírem numa situação de prejuízo, há três consequências principais: evasão fiscal, por via do não pagamento de IRC e IVA; “lavagem de dinheiro”, quando montantes do “saco azul” reentram no circuito legal; e informação contabilística deturpada, pois não reflete a real atividade económica.
Como os impostos que uns evitam acabam por recair sobre os restantes, o primeiro passo para combater a subfaturação está nas mãos dos consumidores: pedir fatura de todas as compras é, para além de um ato de cidadania, uma atitude de proteção do interesse próprio. O segundo, complementar, passa pela atuação da Autoridade Tributária, que deverá escrutinar a atividade das empresas, em especial daquelas que, consecutivamente, apresentam prejuízos.