Óscar Afonso, Eco 

    Uma baixa expressiva da carga fiscal é crucial para atrair mais investimento, que é uma das causas do nosso défice de produtividade no contexto europeu.

Os recentes dados das contas públicas em 2024 revelaram-se globalmente positivas, dentro do contexto do ano, com exceção da rubrica de despesa de capital, cuja execução terá voltado a ficar abaixo do previsto (são precisas mais explicações), e de um agravamento do rácio de carga fiscal no PIB, o principal foco deste artigo.

Tal como sucedeu durante vários anos de governação socialista, a subida desse rácio no ano passado teve origem na componente das contribuições sociais, refletindo o seu crescimento acima do PIB, como explicou o ministro das Finanças, Miranda Sarmento.

Mário Centeno, João Leão e Fernando Medina associaram a subida do peso das contribuições sociais no PIB ao emprego e aos salários (Paulo Portas, no seu comentário semanal no programa Global, fez precisamente o mesmo). Nenhum dos ministros foi mais além e estabeleceu uma ligação com a evolução do salário mínimo e médio acima da produtividade, o que leva a uma perda de competitividade, como aqui explico.

Os principais números das contas públicas em 2024

Antes disso, começo por uma breve análise geral das contas públicas em 2024 (dados na ótica de Maastricht do Procedimento dos Défices Excessivos, PDE, enviado pelo INE ao Eurostat), que são globalmente positivas, mas não no que se refere ao investimento público e à carga fiscal:

  • O saldo orçamental teve um excedente de 0,7% do PIB, inferior ao valor recorde registado em 2023 (1,2%), mas significativamente acima do previsto na Proposta de Orçamento de Estado de 2025 (OE 25) (0,4% do PIB). Em valor absoluto, o excedente cifrou-se em 1 994 milhões de euros (M€), após um máximo 3 247 M€ em 2024.
  • O rácio da dívida pública caiu para 94,9% do PIB, abaixo da previsão do OE 25 (95,9%) e do valor ano anterior (97,7%). Numa altura em que as perspetivas de mais despesa com defesa na União Europeia (UE) – com destaque para a Alemanha – têm vindo a pressionar as yields soberanas em alta, é positivo que Portugal já não seja dos países com rácio de dívida mais elevado, como sucedia até há poucos anos, ficando assim menos expostos a oscilações nos mercados de dívida pública.
  • A redução do saldo orçamental em valor traduziu um crescimento absoluto da despesa superior ao da receita, que também ocorreu em taxa de variação (7,6% e 6,3%, respetivamente).
  • O crescimento de 7,6% da despesa teve origem no aumento de 9,1% da despesa corrente, a refletir a valorização salarial de várias categorias de funcionários públicos – pacificando setores chave da Administração Pública –, bem como a subida das pensões.
  • O crescimento da despesa pública só não foi maior devido ao decréscimo de 7,1% da despesa de capital, que segundo o PDE está associado a “uma diminuição da rubrica transferências de capital, que em 2023 incluiu um conjunto significativo de operações extraordinárias que totalizaram 1 427 milhões de euros”, tendo-se registado “um aumento do investimento [FBCF] de 11% impulsionado pela aplicação dos fundos europeus do PRR”. Se as explicações ajudam a perceber parte da evolução face a 2023, são insuficientes na comparação em valor face ao OE 25, em que estava prevista uma despesa de capital de 11 785 M€ em 2024, sendo a execução que aparece no PDE de apenas 9 749 M€. Conviria que o Governo explicasse como é que, entre outubro e dezembro, desaparecem cerca de 2 mil M€ na despesa de capital face ao previsto. Talvez haja alguma explicação técnica razoável para o diferencial, mas temo que tenha prosseguido a subexecução do investimento público dos governos PS que degradou os serviços públicos.
  • Na receita, a subida de 6,3% teve origem no acréscimo de 7,0% da receita corrente (mitigado pelo recuo de 20,9% da receita de capital, que tem um valor bastante mais pequeno), repartido entre 9,3% nas contribuições sociais, 7,2% nos impostos sobre a produção e importação (onde se destaca o IVA) e 3,5% nos impostos correntes sobre o rendimento, património e outros – em que se incluem o IRC e o IRS, este último alvo de um desagravamento, baixando a variação.
  • A carga fiscal compreende os impostos e as contribuições sociais, sendo um subconjunto da receita corrente com diferenças apenas nalgumas componentes de dimensão relativamente pequena. Segundo o PDE, “como o crescimento nominal da receita fiscal e contributiva (6,7%) foi superior ao do PIB (6,4%), a carga fiscal em percentagem do PIB aumentou 0,1 pontos percentuais (p.p.), para 35,7% em 2024 (35,6% no ano anterior).”
  • Como referiu o ainda ministro das Finanças, Miranda Sarmento, “se considerar apenas a carga fiscal de impostos, ela reduz de 25,1% do PIB para 24,9% do PIB“, acrescentando que “o que sucedeu foi que as contribuições para a Segurança Social cresceram mais do que o PIB nominal.” Temos, assim, que a subida do rácio de carga fiscal em 0,1 p.p. (de 35,6% para 35,7% do PIB) traduziu o aumento do rácio de contribuições sociais (também designado de carga parafiscal) de 10,5% para 10,8% do PIB.

Aumento do rácio de contribuições sociais associado à subida do salário mínimo acima da produtividade

Um acréscimo do Rácio das Contribuições Sociais no PIB (CS_PIB) significa que o Salário Médio por Trabalhador (SMT) cresceu acima da produtividade por trabalhador, o que traduz um aumento dos custos laborais unitários e uma perda de competitividade, tudo o resto constante.

É fácil de perceber porquê:

  • O rácio é o mesmo dividindo o numerador e o denominador pelo emprego.
  • O numerador do rácio, o valor das contribuições sociais, é o produto da Taxa de Contribuições Sociais Média (TCSM) pelo Salário Médio por Trabalhador (SMT) e pelo Emprego ou número de trabalhadores (E).
  • Dividindo o numerador pelo emprego, ficamos apenas com a taxa de contribuições sociais média – que não se alterou – multiplicada pelo salário médio por trabalhador.
  • Dividindo também pelo emprego o denominador do rácio, o PIB nominal, ficamos com a produtividade por trabalhador.
  • Assim, não tendo havido mexidas nas taxas de contribuição social, e admitindo que a eficiência na cobrança (combate à fraude e evasão fiscal) não se alterou significativamente, a subida do Peso das Contribuições Sociais no PIB (CS_PIB) traduz uma variação do Salário Médio por Trabalhador (SMT) acima da variação da produtividade por trabalhador, sabendo-se que ambas foram positivas em 2024.

Ou seja, em termos de expressão matemática:

Resta dizer que a subida do salário médio acima da produtividade é explicada, em grande medida, pela subida do salário mínimo nacional (SMN) acima da produtividade, não apenas em 2024, mas nos últimos anos, como decorre da análise do Banco de Portugal (BdP) no recente Boletim Económico de março (BEM).

Embora o aumento do SMN nos últimos anos tenha sido importante para a valorização salarial e a redução das desigualdades, quando é desligado da produtividade gera problemas de eficiência, como, por exemplo:

  • Compressão da estrutura salarial, desincentivando a progressão salarial e provocando a desmotivação dos trabalhadores;
  • Dificuldades na contratação e retenção de talento, tornando menos atrativo investir em qualificações;
  • Impacto na competitividade das empresas, sobretudo as de margem de lucro mais reduzidas e intensivas em mão-de-obra (com maior peso de trabalhadores a ganhar o SMN), que podem ter dificuldades em suportar aumentos salariais, levando a uma redução do emprego, a um acréscimo das situações de informalidade ou até a encerramentos.

Se não queremos um modelo económico de salários baixos, e penso que nisso há consenso, precisamos de reformas estruturais para elevar a produtividade da economia – que é uma das mais baixas da UE e, por maioria de razão, da área euro – e suportar um aumento maior e mais sustentável do SMN, bem como do salário médio e mediano.

Sem essas reformas, a produtividade pouco sobe, pelo que os aumentos do SMN acima desse referencial não são benéficos e apenas ‘socializam a pobreza’, que é o que significa o SMN representar 68% do salário mediano (dados de 2023 referidos pelo BdP no BEM), o valor mais alto da área euro, superando já a França, tradicionalmente o país com o maior valor neste indicador, mas esse caso levanta menos problemas, por se tratar de um país com elevada produtividade e nível de vida. Gerando-se pouca riqueza, como é o caso de Portugal, só se consegue redistribuir pobreza, é algo que devemos ter sempre em mente.

Em suma, o artigo evidencia que a subida do peso das contribuições sociais no PIB, que explica o aumento do rácio de carga fiscal no PIB em 2024 e na tendência dos últimos anos, decorre de um aumento dos custos laborais por unidade produzida, que significa uma perda de competitividade tudo o resto constante.

Tal resulta, em grande medida, do aumento do salário mínimo acima da produtividade desde a famosa ‘geringonça de esquerda’ e que parece continuar a ser a norma. Todos pagamos em perda de competitividade e ineficiência essas decisões promovidas pelos últimos governos. Aumentos salariais mais substanciais e sustentáveis devem assentar em ganhos de produtividade robustos e alicerçados em reformas estruturais decisivas, favorecendo uma melhoria do perfil de especialização da economia.

Quanto ao peso dos impostos no PIB, a sua redução em 2024 traduz uma melhoria da fiscalidade, mas que é ainda muito ligeira – uma descida maior e sustentada exige uma reforma do Estado que baixe significativamente o peso da despesa corrente e abra ainda espaço para um maior peso do investimento público, cuja execução parece ter servido novamente como variável de consolidação orçamental em 2024, mitigando o impacto na despesa pública dos aumentos de salários a funcionários públicos e das pensões.

Conclui-se que o rácio de carga fiscal no PIB é um indicador de competitividade fiscal e económica nas suas várias componentes – incluindo o peso das contribuições sociais no PIB –, pelo que o seu aumento em 2024, ainda que ligeiro, traduz uma redução da nossa competitividade admitindo como constante o que se passa no exterior.

Como referi numa crónica anterior, Portugal tem uma carga fiscal excessiva face o seu nível de vida (e capacidade contributiva) no contexto da UE, resultando numa das maiores taxas de esforço fiscal da UE. Uma baixa expressiva da carga fiscal é crucial para atrair mais investimento, que é uma das causas do nosso défice de produtividade no contexto europeu. Defendo como prioritária a baixa da taxa de IRC – a começar na eliminação da progressividade da derrama estadual e, a prazo, o seu fim – e a continuação da descida do IRS. Subidas salariais em linha com a produtividade são também importantes para não elevar o rácio de carga fiscal na componente das contribuições sociais, como aqui mostrei.