Óscar Afonso, Dinheiro Vivo
As projeções económicas para Portugal em 2025 e 2026 apontam para um crescimento em torno de 2%. Embora esta taxa seja ligeiramente superior à média da área do euro, está longe de ser suficiente para que o país alcance, num horizonte de uma década, o grupo dos mais ricos da União Europeia (UE).
Para contextualizar, um estudo recente da Faculdade de Economia do Porto (FEP) conclui que Portugal precisaria de atingir um crescimento médio anual na casa de 3% para entrar na metade de países com maior nível de vida da UE, numa década. Este objetivo, no entanto, depende de uma agenda ambiciosa de reformas estruturais que têm sido sucessivamente adiadas nas últimas décadas, e que são hoje mais urgentes do que nunca.
À cabeça surge a necessidade primordial de uma reforma profunda do Estado, que baixe o peso da despesa corrente e acomode a elevação do investimento público nacional (para compensar anos de desinvestimento e compensar a redução dos apoios europeus após 2026) e uma baixa expressiva da carga fiscal, com realce para um corte maior do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC). Atualmente, Portugal possui a segunda maior taxa efetiva de IRC da UE, um fator que dificulta a atração e retenção de investimento privado, especialmente estrangeiro. Esta limitação reflete-se numa das taxas de investimento mais baixas da UE, contribuindo para uma produtividade laboral também das piores (por hora e por empregado), que limita a competitividade e a geração de receitas (necessárias para investir), num círculo vicioso.
A ausência de ação compromete não só o crescimento económico, como também expõe o país a consequências graves e tangíveis. As projeções de outono da Comissão Europeia apontam para que, mesmo com taxas de crescimento ligeiramente superiores à média europeia, Portugal será ultrapassado pela Roménia em nível de vida já em 2026. Este cenário é ainda mais alarmante se considerarmos que a Roménia, historicamente um dos países mais pobres da UE, tem uma dívida pública significativamente inferior, recebeu menos fundos comunitários que nós e enfrentou penalizações económicas adicionais devido à guerra na Ucrânia.
A dependência estrutural de Portugal em relação aos fundos europeus torna esta situação ainda mais delicada. Com o término do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) em 2026 e a previsível redução de verbas do quadro financeiro Portugal 2020-2030, o nosso crescimento económico poderá baixar para cerca de 1% ao ano – ritmo que marcou as primeiras duas décadas deste milénio e que acentuou o atraso de Portugal face aos seus parceiros europeus. Este cenário é corroborado pelas projeções de crescimento potencial da economia portuguesa no Ageing Report 2024 da Comissão Europeia. Tal reforça a necessidade urgente de reformas estruturais ambiciosas, que evitem esse retrocesso económico e projetem níveis de crescimento na casa dos 3% ao ano, que foram conseguidos nas décadas de 80 e 90 e precisamos de replicar para entrar no grupo de países com maior nível de vida no espaço europeu, onde nos inserimos, terminando uma dependência prolongada de apoios europeus que considero uma vergonha nacional.
Neste contexto, a execução do PRR surge como uma oportunidade única, mas também como um teste crítico à capacidade de gestão e implementação do país e, em particular, do Estado, que acolheu para si cerca de 2/3 dos apoios a fundo perdido do programa (para colmatar o desinvestimento acumulado ao longo de anos nos diversos serviços públicos), o que reduz o seu impacto económico por contraponto a um maior peso dos apoios ao setor privado, como sucedeu noutros países da UE e estava no espírito inicial de recuperação face à pandemia por Covid-19, que afetou sobretudo o setor privado.
Quanto à execução do PRR, no final de 2024 Portugal havia recebido 51% das verbas previstas, mas apenas 32% dos marcos e metas tinham sido cumpridos, e apenas 28% das verbas tinham sido efetivamente pagas aos beneficiários. Este atraso (relativamente maior) nos pagamentos reflete os persistentes entraves burocráticos que caracterizam a máquina do Estado – precisamente um dos alvos dos investimentos em digitalização e modernização administrativa incluídos no PRR, mas que até agora não produziram os resultados desejados. Recordo que a necessidade de investir na máquina burocrática do Estado e a sua capacidade de executar mais rapidamente do que o setor privado foram os principais argumentos usados para justificar a alocação preferencial ao setor público. Como se vê, está por demonstrar a validade desses argumentos, que confirmam a pouca qualidade das nossas políticas públicas. O investimento público financiado por recursos nacionais, via Orçamento de Estado, é que deveria servir para melhorar a máquina administrativa, enquanto os apoios de Bruxelas deveriam focar-se no apoio ao investimento privado centrado nas falhas de mercado.
Adicionalmente, a escassez de mão-de-obra especializada apresenta outro entrave significativo, particularmente no setor da construção, que é fundamental para muitos dos projetos do PRR. Para mitigar este problema, o governo implementou medidas para facilitar a entrada de trabalhadores imigrantes. No entanto, estas políticas exigem uma gestão cuidadosa, garantindo que a imigração responda às necessidades económicas e assegurando a integração efetiva dos trabalhadores através de contratos justos e dignos. Sem este reforço, o cumprimento dos prazos do PRR está em sério risco.
Para responder às dificuldades de execução e alinhar as metas do PRR às atuais circunstâncias económicas, está em curso um exercício de reprogramação, cuja apresentação está prevista para este mês de janeiro (não foi ainda anunciado quando escrevo estas linhas). Este processo deverá ter como objetivo priorizar os investimentos mais avançados e subvencionados pelo PRR, enquanto os projetos mais atrasados poderão ser financiados através do Orçamento do Estado. Embora pragmática, esta abordagem reforça a necessidade de eficiência e foco na execução. Só quando virmos a reprogramação saberemos se, na verdade, já perdemos apoios europeus face à ambição inicial, estou em crer que sim, infelizmente.
O cenário político nacional e internacional adiciona uma camada extra de incerteza.
Em Portugal, as eleições autárquicas de 2025 e as presidenciais de 2026 representarão um teste crucial à estabilidade política e à capacidade de implementar políticas económicas eficazes.
No plano internacional, as políticas incertas da nova Administração Trump, combinadas com os conflitos na Ucrânia e no Médio Oriente, apresentam riscos significativos ao crescimento global, com implicações diretas para a economia da UE e a portuguesa.
Políticas protecionistas e a volatilidade dos mercados energéticos são fatores que poderão impactar negativamente o comércio externo de Portugal. O acordo UE-Mercosul, a confirmar-se, é um passo positivo para contrariar um mundo cada vez mais protecionista, mas precisamos de mais decisões acertadas, até porque o nosso futuro económico está muito dependente do da UE.
Sem uma execução eficaz do Plano Draghi – focado na restauração da competitividade económica da UE –, que dependerá ainda, em grande medida, de uma enorme capacidade diplomática e negocial das mais altas instâncias da UE, esta arrisca-se a perder relevância global (económica e geopolítica) face a potências como os EUA e a China. Alcançar um plano de paz estável e duradouro para a Ucrânia e para o conjunto do continente europeu sem sacrificar valores europeus nem hipotecar capacidade económica exige lideranças europeias fortes à frente da UE e, desde logo, no eixo franco-alemão que, como sabemos, está muito enfraquecido nesta altura por questões económicas e políticas.
No atual contexto, não vislumbro, por isso, suficiente capacidade das atuais lideranças europeias para estar à altura dos enormes desafios, o que poderá ter consequências nefastas para o projeto da UE - que estará em jogo nos próximos meses – e, naturalmente, para Portugal.
Portugal encontra-se, assim, perante um momento definidor a nível nacional e internacional, cabendo aos nossos governantes executar reformas que garantam maior resiliência e capacidade de crescimento para enfrentarmos com maior capacidade um contexto externo que poderá piorar substancialmente. As escolhas feitas hoje determinarão se o país conseguirá reverter décadas de atraso e afirmar-se como uma economia competitiva e resiliente, ou se continuará a resignar-se à estagnação e ao declínio relativo. Este é o desafio, mas também a oportunidade de transformar a economia portuguesa e garantir um futuro mais próspero no seio da Europa.