Miguel Viegas, OBEGEF

A emergência do setor das apostas desportivas online agrega uma constelação de problemas. Mas apesar dos múltiplos alertas de especialistas, este fenómeno não tem suscitado qualquer reflexão por parte da sociedade portuguesa.

Com a multiplicação dos conflitos e a sua intensificação nos últimos anos, agravam-se as estatísticas da pobreza. De acordo com o último relatório do PNUD, 1,1 mil milhões de pessoas vivem em situação de pobreza nas suas diversas dimensões (United Nations, 2024). É nos países mais afetados por conflitos que a pobreza na sua forma mais extrema cresce de forma significativa. Portugal não está imune ao problema. Em 2024, a taxa de pobreza era de 16,6%, o que significa que temos em Portugal 1,8 milhões de pessoas a viver com menos de 632 euros por mês (Rodrigues, 2024). Contrastando com esta inoperância das nossas sociedades em resolver os problemas da guerra e da pobreza, floresce a economia digital com a sua infinita proficiência para fugir ao pagamento de impostos. O setor das apostas desportivas online tem crescido de forma exponencial. Grandes empresas digitais, todas elas sediadas em paraísos fiscais, concentram já uma parte significativa do mercado. Com a emergência deste setor, cresce o risco de resultados viciados e cria mais um fenómeno de adição com particular incidência nas camadas mais jovens. Mas apesar dos múltiplos alertas de especialistas, este fenómeno não tem suscitado qualquer reflexão por parte da sociedade portuguesa.

Em linha com o PNUD mas usando apenas como critério o rendimento per capita, o Banco Mundial contabilizava 700 milhões de pessoas, ou seja 8,5% da população mundial, a viver com menos de 2,15 dólares por dia (World Bank, 2024). De acordo com as suas previsões esta taxa deverá baixar ligeiramente para 7,3% em 2030. Em Portugal, os dados do rendimento, da pobreza e da desigualdade registaram em 2024 uma ligeira recuperação após um pico registado em 2023. No entanto esta redução mantém a taxa de pobreza de 2024 (16,6%) acima de 2022 (16,4%). O ODS 1 (Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 1) faz parte da Agenda 2030 das Nações Unidas e tem como objetivo global acabar com a pobreza extrema em todas as suas formas, em todo o mundo, até 2030. Como parece óbvio, este objetivo está já fora de alcance.

O mercado global de apostas desportivas online gerou receitas de 83,65 mil milhões de dólares em 2023. As previsões apontam para taxas de crescimento de 10,3% entre 2024 e 2030. A crescente procura por apostas desportivas online tem sido impulsionada por um panorama regulatório mais favorável ao setor global do jogo, bem como por uma melhoria da infraestrutura digital e da generalização do uso de smartphones. A pandemia funcionou aqui como verdadeiro catalisador. Em Portugal, de acordo com o Serviço de Regulação e Inspeção de Jogos do Turismo de Portugal o setor registou um volume de negócio total de 1.721 milhões em 2023, confirmando um crescimento exponencial (em 2018 o valor era de 392 milhões). Malta, um conhecido paraíso fiscal, está hoje repleta de empresas de apostas desportivas online que usufruem de condições fiscais favoráveis ​​e operam em todo o mundo. Em apenas alguns anos, Malta ascendeu ao posto de número um na Europa, destronando Gibraltar com largas tradições neste domínio.

As apostas desportivas online aglutinam uma constelação de problemas que facilmente podem converter-se numa tempestade perfeita. Para além dos potenciais efeitos em termos de adição, ansiedade e até depressão junto dos jogadores, as apostas desportivas online representam uma oportunidade para todas as atividades ilícitas relacionadas com a manipulação de resultados, branqueamento de capitais e outros crimes financeiros. Várias investigações têm revelado plataformas de apostas usadas para lavar dinheiro proveniente de atividades criminosas e corrupção. As autoridades brasileiras indicam que fações criminosas, como o Comando Vermelho (CV) e o Primeiro Comando da Capital (PCC), têm utilizado plataformas de apostas online para lavar dinheiro proveniente de atividades ilícitas, incluindo o tráfico de drogas. Em Portugal, as plataformas devidamente licenciadas pagam uma contribuição de 8% sobre os rendimentos gerados (Imposto Especial de Jogo Online). Contudo, nada pagam em sede de IRC pelo facto de residirem em paraísos fiscais. Apesar destes riscos, não vemos uma proporcional e adequada campanha de prevenção visando promover comportamentos responsáveis e defender as camaradas mais jovens e vulneráveis da sociedade. Ao contrário, o que vemos são amplas campanhas publicitárias presentes em áreas altamente mediatizadas destinadas a promover mais aderentes e mais apostas, com aparente indiferença por parte das autoridades (García-Pérez et al., 2024). Para já, a aposta parece ser na continuação de pobreza e no enriquecimento da economia de casino.

Referências:

García-Pérez, Krotter, A., & Aonso-Diego, G. (2024). The impact of gambling advertising and marketing on online gambling behavior: an analysis based on Spanish data. Public Health, 234, 170–177. https://doi.org/10.1016/J.PUHE.2024.06.025

Rodrigues, C. F. (2024). Portugal Desigual| Um retrato das desigualdades de rendimentos e da pobreza no país. Lisboa: Fundação Francisco Manuel Dos Santos.

United Nations. (2024). 2024 Global Multidimensional Poverty Index (MPI). Human Development Reports.

World Bank. (2024). Poverty, Prosperity, and Planet  Report 2024: Pathways Out of the Polycrisis.