Óscar Afonso, Dinheiro Vivo
Portugal é um país que respira turismo. É difícil ignorar o impacto deste setor na economia, desde os hotéis e restaurantes cheios, passando pelas ruas históricas vibrantes, até ao peso significativo no PIB nacional
Das praias do Algarve ao encanto do Porto, da vibrante Lisboa às paisagens deslumbrantes dos Açores e Madeira, passando pela beleza e tradições culturais do interior, o turismo é uma das grandes forças motrizes da economia nacional. Mas será que todo o turismo é intrinsecamente bom? Será suficiente atrair mais turistas para garantir um crescimento económico sustentável e justo? A resposta não é simples, mas é crucial para o crescimento sustentável do país.
O turismo é uma oportunidade poderosa, mas também uma ameaça subtil se não for bem gerido. Por um lado, é uma fonte de receitas, promove o emprego e estimula o consumo. Por outro lado, pode comprometer a capacidade produtiva da economia ao desviar ainda mais mão-de-obra e recursos essenciais de setores críticos como a agricultura e a indústria.
Este desvio, que ocorre quando trabalhadores são retirados de setores mais produtivos para atividades turísticas, de menor produtividade, pode ter consequências profundas. A produção de bens, seja na agricultura ou na indústria, é vital para garantir a autonomia económica do país e evitar dependências externas. Sem uma base produtiva robusta, a economia torna-se vulnerável a choques externos e perde capacidade de resiliência a longo prazo. Assim, quando o turismo absorve recursos que poderiam ser utilizados na produção de bens, o país arrisca-se a comprometer a sustentabilidade do seu crescimento.
Por outro lado, o turismo tem o potencial de gerar externalidades positivas que beneficiam toda a economia. Quando bem orientado, pode incentivar avanços na organização empresarial, novos modelos de negócio e até a criação de produtos e serviços inovadores. Mas esta dualidade exige uma gestão cuidadosa: o impacto do turismo depende da sua capacidade de gerar inovação suficiente para compensar os custos do desvio de recursos produtivos.
O turismo, especialmente o de qualidade, pode ser um motor de inovação – de produto, de processo, de marketing e organizacional, usando a classificação seguida no Portugal 2030 –, pois o contacto com turistas internacionais mais exigentes expõe o setor a novos desafios e, de forma associada, a novas ideias e práticas, pela necessidade de recrutamento de trabalhadores e gestores mais qualificados (nacionais e estrangeiros) que sigam e investiguem as tendências e ideias mais recentes na área. Tal leva ao desenvolvimento de produtos e serviços com ofertas mais atrativas e diferenciadoras que melhoram a competitividade do turismo pela sua qualificação, promovendo uma maior geração de valor. O contacto com esse turismo de gama mais alta promove, assim, a difusão e transferência de conhecimento e tecnologia, mas também impele a investigação e desenvolvimento na área, para gerar ofertas inovadoras no nosso país, movimentando ainda setores conexos e melhorando estruturalmente a economia. A priorização e incremento desse turismo de qualidade e geração de valor oferece uma oportunidade de modernizar uma economia com um peso tão elevado do turismo como a nossa, mas em que predomina um turismo de massas de baixo valor, cujo balanço se está a tornar negativo como aqui saliento.
Por exemplo, turistas exigentes podem motivar os hotéis a investir em eficiência energética ou em soluções digitais para melhorar a experiência dos clientes, enquanto os restaurantes podem inovar nas ementas, valorizando produtos locais e técnicas culinárias ancestrais. Tal cria uma procura também mais exigente a montante, promovendo inovação em setores conexos, como agricultura, telecomunicações e as múltiplas indústrias que integram a fileira habitat (construção, materiais e produtos para a casa – como madeira, cortiça, mobiliário, cerâmica, rochas ornamentais, decoração, têxteis-lar, design, produtos metálicos ou equipamentos elétricos –, climatização e planeamento urbanístico, nomeadamente).
Contudo, este impacto positivo não ocorre uniformemente. Os setores mais qualificados tendem a ser os grandes beneficiários, enquanto o turismo de massas, baseado no consumo rápido e na exploração intensiva de recursos, oferece pouco incentivo à inovação. Sem políticas públicas adequadas, o turismo pode tornar-se uma oportunidade perdida para modernizar a economia.
Um dos paradoxos mais inquietantes do turismo é a forma como amplia as desigualdades económicas. Ao potencialmente favorecer alguns setores intensivos em trabalho qualificado, o turismo contribui para aumentar o "prémio de qualificação" – a diferença salarial entre trabalhadores qualificados e não qualificados. Este fenómeno agrava as disparidades económicas, especialmente em regiões onde a pressão turística é mais intensa, como Lisboa e Porto.
Além disso, o turismo tende a elevar os preços da habitação, agravando a exclusão dos residentes locais. A procura por alojamentos turísticos frequentemente ultrapassa a capacidade de resposta do mercado, especialmente nas áreas metropolitanas, deslocando famílias de rendimentos médios e baixos para periferias com menos infraestruturas e oportunidades.
No interior, onde o turismo ainda é escasso, as desigualdades manifestam-se face ao resto do país. A falta de emprego e investimento agrava a desertificação destas regiões, que permanecem fora do radar dos grandes fluxos turísticos. Este desequilíbrio territorial é um dos maiores desafios que Portugal enfrenta no aproveitamento do turismo como motor de desenvolvimento económico.
Para maximizar os benefícios do turismo e minimizar os seus custos, é essencial implementar políticas públicas que promovam um turismo sustentável e inclusivo, sem descurar a importância dos setores produtivos como alicerces de uma economia resiliente. Algumas medidas incluem:
- Fomentar o turismo no interior, território com imenso potencial, com paisagens de cortar a respiração, uma gastronomia rica e tradições culturais únicas. Investir na promoção destas regiões como destinos turísticos de excelência não só redistribui os benefícios do turismo, como também revitaliza economias locais fragilizadas, promovendo a coesão territorial.
- Incentivar a inovação e o turismo de qualidade. Eventos culturais, conferências internacionais e turismo de negócios são excelentes oportunidades para estimular a inovação tecnológica e organizacional. Estes segmentos turísticos geram externalidades positivas que beneficiam setores qualificados e criam condições para um crescimento económico sustentado.
- Qualificar a mão-de-obra, oferecendo formação aos trabalhadores menos qualificados para que possam aceder a funções mais valorizadas e contribuir para uma economia mais inclusiva. Além disso, é crucial integrar programas que promovam o emprego no interior, com incentivos que atraiam e fixem talentos nessas regiões.
- Diversificar a base económica, reduzindo a dependência do turismo, promovendo o desenvolvimento de setores produtivos como a agricultura e a indústria – tendo em conta as oportunidades e prioridades da União Europeia –, para garantir uma economia equilibrada e menos vulnerável a choques externos.
- Proteger a sustentabilidade, estabelecendo limites claros ao turismo de massas e incentivar práticas sustentáveis, protegendo os recursos naturais e culturais que são a base do apelo turístico de Portugal.
As medidas acima concorrem para uma maior uniformização dos benefícios do turismo no território, mas também ao longo do ano, mitigando outro dos grandes problemas do turismo de massas (de sol e mar), a sua sazonalidade.
Concluo que o turismo não é, por si só, uma solução mágica para os nossos desafios económicos. O seu impacto depende de como é gerido e integrado numa estratégia de desenvolvimento mais ampla. Quando promove inovação, valoriza o interior e contribui para o crescimento económico inclusivo, o turismo pode ser uma força transformadora positiva. Mas se os seus custos – como o desvio de mão-de-obra da agricultura e da indústria (para um turismo de massas de baixa produtividade), e o potencial aumento das desigualdades – não forem geridos com rigor, o turismo pode agravar os problemas que deveria resolver.
Portugal tem a oportunidade de repensar o seu setor turístico. Com as políticas certas, podemos transformar o turismo num motor de crescimento sustentável, que valoriza o interior, promove a inovação e distribui os seus benefícios por toda a sociedade. Afinal, o turismo não deve ser apenas uma fonte de receitas de curto prazo – deve ser uma alavanca para o progresso coletivo.