Óscar Afonso, Expresso online
De facto, passados 20 anos, Portugal volta a conseguir a organização de um grande evento de futebol e até de projeção superior, por se tratar de um Mundial, a ocorrer em 2030. A grande diferença é que, desta vez, o esforço de investimento público será residual, pelo facto de a organização ser feita com mais dois países (Espanha e Marrocos). Trata-se, assim, de um modelo muito mais equilibrado e racional, à partida com maior rentabilidade económica e social, a prazo, do que o Euro 2024
Neste artigo analiso a bondade de alguns investimentos públicos passados e futuros em Portugal ao nível das infraestruturas, focando-me na comparação da organização dos principais eventos internacionais de futebol no nosso País, nos erros cometidos e nas lições aprendidas.
Em 2004, Portugal orgulhou-se de acolher o Campeonato Europeu, um evento que prometia impulsionar a economia, aumentar o turismo e promover a imagem do país no panorama internacional. Considero que o principal benefício foi mesmo intangível, em termos de autoestima e união, pois a congregação em torno da seleção nacional mobilizou o país em todos os estratos sociais, o que já não acontecia há muito tempo e nem mesmo a derrota contra a Grécia na final do europeu apagou.
A autoestima, união e mobilização são importantes e deveriam ser também canalizadas para o nosso progresso económico e social. Como venho a referir, devemos ter como desígnio nacional que a nossa economia cresça na casa dos 3% ao ano para entrarmos no grupo de países mais ricos da União Europeia (UE) no espaço de uma década, através de políticas e reformas decisivas, bem justificadas e mobilizadoras.
Passadas duas décadas, o balanço económico global do Euro 2004 é, no mínimo, duvidoso. A atividade e receitas de impostos geradas durante a construção foram temporárias, enquanto os benefícios em termos de imagem e impacto turismo são difíceis de medir, sendo por isso incertos. Certo foi custo elevado do evento para o erário público, não só no período de construção e remodelação de múltiplos estádios de futebol, espalhados pelo território, mas porque vários deles não geraram receitas para cobrir os altos custos de manutenção – sobretudo os ligados a clubes de pouca expressão, como Aveiro, Leiria e Algarve –, traduzindo-se em prejuízos sucessivos para as contas municipais e, no final, para o contribuinte. O mais grave é que esses prejuízos eram facilmente antecipáveis, mas mesmo assim o governo da altura avançou.
Vejamos mais em detalhe as contas conhecidas. A organização do Euro 2004 em futebol exigiu a construção e renovação de 10 estádios em todo o país, um investimento de quase 1000 milhões de euros. Uma grande parte deste montante foi financiada pelo Estado, através de fundos públicos e autarquias.
Um investimento é bom ou mau consoante os benefícios que gera, como nos mostra a ciência económica, pelo que o prejuízo operacional em vários desses estádios – perfeitamente antecipável, como referido –, é um erro económico grave, sendo usado frequentemente como um caso de estudo de uma má política de investimento público a não repetir. Essa lição é o único aspeto positivo que vejo.
Este modelo de investimentos desproporcionais e pouco sustentáveis é um exemplo claro de como o deslumbramento com grandes eventos desportivos pode levar a decisões económicas irracionais, mobilizando dinheiro público dos contribuintes para projetos com pouco retorno económico e social – ou mesmo negativo, no caso dos estádios que geraram prejuízos –, que poderia ser melhor utilizado em áreas importantes como a saúde, a educação, a habitação e a política de inovação.
É por isso, importante, ver qual a justificação dada na altura para avançar com o evento mobilizando um esforço de investimento exagerado em estádios.
O argumento do governo de José Sócrates para justificar o investimento em 10 estádios era o de que a organização não teria vindo para Portugal sem esse esforço – algo nunca demonstrado, que eu saiba – e que tal nos habilitaria à organização de mais grandes eventos internacionais de futebol no futuro. A realidade não veio a confirmar a megalomania, pois conseguimos agora mais um grande evento e apenas serão precisos os três principais estádios a nível nacional, como detalho abaixo, também os únicos usados quando Portugal acolheu finais das principais taças europeias de clubes de futebol ou de seleções jovens.
De facto, passados 20 anos, Portugal volta a conseguir a organização de um grande evento de futebol e até de projeção superior, por se tratar de um Mundial, a ocorrer em 2030. A grande diferença é que, desta vez, o esforço de investimento público será residual, pelo facto de a organização ser feita com mais dois países (Espanha e Marrocos). Trata-se, assim, de um modelo muito mais equilibrado e racional, à partida com maior rentabilidade económica e social, a prazo, do que o Euro 2024.
O Campeonato do Mundo de futebol de 2030, com o lema Yalla Vamos!, foi atribuído formalmente a Portugal, Espanha e Marrocos no Congresso Extraordinário da FIFA que decorreu em Zurique. Como não havia mais candidatos, a decisão favorável era uma certeza à partida, depois do Conselho da FIFA ter aprovado por unanimidade a candidatura dos três países em 4 de outubro de 2023. O Mundial de 2030 tem a originalidade de se realizar em três continentes diferentes – Europa, África e América do Sul. A Argentina, o Paraguai e o Uruguai terão um jogo da fase de grupos cada, com o Uruguai a receber o encontro de abertura para comemorar os 100 anos da competição, uma vez que a primeira edição (em 1930) se realizou precisamente nesse país.
Em Portugal, haverá jogos nos estádios da Luz e de Alvalade, em Lisboa, e no estádio do Dragão, no Porto, pois já possuem infraestruturas adaptadas às exigências da FIFA (e da UEFA). Estamos, portanto, bem longe de ter de construir ou renovar estádios por todo o território, incluindo em regiões com menos assistência, como sucedeu em 2024 – hoje, esses estádios não cumprem as exigências da FIFA nem da UEFA. Quanto aos investimentos necessários, eles serão pequenos e, mesmo que venham a ter alguma comparticipação pública (desconheço), será também necessariamente pequena. A ocasião será aproveitada pelos principais clubes portugueses para alguma modernização dos estádios.
Enquanto Portugal e Marrocos se estreiam na organização de um mundial de futebol, no caso de Espanha será a segunda vez, depois de 1982, tendo por isso experiência nesta área, mas Portugal tem a de 2004, também um grande evento (e mais recente), ainda que circunscrito à Europa. A organização conjunta, embora traga desafios – sobretudo a deslocação das delegações, o que pode prejudicar o rendimento desportivo dos atletas, além de implicar uma maior logística – , segue um modelo tripartido (excluindo os jogos na América do Sul, uma exceção justificada) que se revela mais equilibrado e racional em termos de balanço entre custos e proveitos, bem como de promoção da modalidade, numa abordagem multi-país que tem vindo a ser usada com sucesso. Esta colaboração permitirá repartir os custos de infraestrutura e logística entre os três países, reduzindo significativamente o custo financeiro para cada um, enquanto os benefícios em termos de projeção e visitantes serão mais do que proporcionais a esse custo, à partida.
Embora a candidatura conjunta tenha sido a única e pareça que não teve concorrência, o facto de não terem surgido outras candidaturas pode indicar que seria difícil de superar. A experiência congregada de Espanha e Portugal em grandes eventos do género certamente é uma mais valia relevante tida em conta pela FIFA e confirma que construir todos aqueles estádios em 2004 foi um erro, pois outros modelos e argumentos, se necessários, poderiam ter sido usados para Portugal ganhar a organização naquela altura.
Felizmente, parece que na área do futebol se aprendeu com erros passados em matéria de organização de grandes eventos e investimento público necessário, o que é positivo.
Por fim, saliento que o futebol é um setor em que temos uma competitividade bem acima da média da economia, demonstrada pelo facto de estarmos sempre no topo do ranking de seleções de futebol e o nosso campeonato, embora não seja uma das cinco grandes ligas, vem logo a seguir e exporta desde há muito alguns dos principais jogadores, treinadores e até dirigentes a nível mundial, gerando bastante valor para o nosso país, mas que pode crescer. O reforço recente da transparência é um passo nesse sentido.