Óscar Afonso, Dinheiro Vivo
A Inteligência Artificial (IA) está a transformar a sociedade em múltiplas dimensões e o ensino superior não é exceção. Neste domínio, a IA atua como um catalisador de mudanças profundas, impactando as metodologias pedagógicas, os processos administrativos e o avanço da investigação científica. Contudo, com o seu potencial disruptivo, emergem também desafios éticos e práticos que exigem uma reflexão cuidadosa. Este novo paradigma apresenta oportunidades significativas, mas também riscos, que podem determinar o futuro da educação superior.
(i) Personalização da Aprendizagem: Um Novo Horizonte
Um dos maiores avanços proporcionados pela IA é a personalização do ensino. Ferramentas baseadas em IA permitem analisar o desempenho e as preferências dos Estudantes, adaptando os conteúdos e os métodos de aprendizagem às suas necessidades individuais. Esta abordagem irá transformar cada vez mais a forma como os Estudantes interagem com o conhecimento.
Na Faculdade de Economia do Porto (FEP), a introdução de plataformas de aprendizagem adaptativa começa a ser uma realidade que trará melhorias significativas no desempenho académico. Estas plataformas ajustam automaticamente o nível de dificuldade dos conteúdos com base no progresso do Estudante, promovendo uma aprendizagem mais eficaz e envolvente. Além disso, permite que tutores virtuais baseados em IA possam estar disponíveis 24/7, fornecendo apoio contínuo e feedback imediato, fatores essenciais para um progresso mais rápido e direcionado.
Mas há um lado menos positivo: a personalização excessiva pode reduzir a interação humana. As conversas entre Estudantes e Professores, essenciais para o pensamento crítico e a construção de redes sociais, podem ser marginalizadas. O ensino superior deve, por isso, encontrar formas de equilibrar a eficiência das ferramentas de IA com a manutenção das interações humanas que enriquecem o processo educativo e permitam corrigir eventuais erros que surjam dessas ferramentas. Os Estudantes devem ter sempre em conta que essas ferramentas são falíveis, em função da qualidade das fontes, do uso das mesmas ou até à forma de apresentação dos resultados, pelo que a interação humana – com Professores, Tutores e Investigadores – continua a ser crucial.
Por isso, na FEP procuramos minimizar esses erros para facilitar e potenciar a aprendizagem dos nossos estudantes, pelo menos naquilo que podemos controlar. Em julho, lançamos o FEP Chatbot, uma ferramenta de IA generativa desenvolvido pela empresa portuense ARMIS, no âmbito de um projeto-piloto do PRR, que mais tarde abrangerá outras entidades do ensino superior, tendo a FEP sido a pioneira. O FEP Chatbot é uma espécie de ChatGPT ‘alimentado’ por fontes credíveis escolhidas pelos nossos docentes, para que os alunos o possam consultar com segurança.
Já antes, em janeiro, tínhamos começado a preparar os nossos estudantes para a IA com a melhoria das infraestruturas e equipamentos, inaugurando (em parceria com a Microsoft, nomeadamente) a primeira sala do “FEP Innovation Hub” para integrar a IA no ensino, no âmbito do programa “Artificial Intelligence For Economics and Management”. Entretanto, ampliamos o número de salas preparadas para a IA e em novembro inauguramos o Creative Space, uma nova área tecnológica multifuncional.
(ii) Automação: Eficiência Administrativa ou Dependência Perigosa?
A IA pode ser um alicerce na simplificação de processos administrativos, libertando recursos humanos para tarefas de maior valor. Desde a gestão de candidaturas à alocação de recursos e ao atendimento a Estudantes, os sistemas automatizados podem reduzir significativamente os tempos de espera e os custos operacionais.
No entanto, esta automação traz consigo riscos. As instituições podem tornar-se excessivamente dependentes de sistemas tecnológicos, enfrentando desafios graves em caso de falhas ou ciberataques. A dependência tecnológica levanta também questões sobre autonomia institucional e sobre a forma como os dados sensíveis de Estudantes são armazenados e processados.
Exemplo prático: a FEP tem implementado chatbots para responder a questões frequentes, o que permitirá otimizar o tempo dos serviços administrativos. Contudo, é crucial que as instituições estabeleçam planos de contingência robustos e garantam que os sistemas automatizados não comprometam a privacidade e os direitos dos utilizadores.
(iii) Investigação e Inovação: A IA como Catalisador
A IA está a revolucionar a investigação científica. Ferramentas avançadas permitem a análise de grandes volumes de dados em tempo recorde, identificando padrões e correlações que seriam impossíveis de detetar manualmente. Este avanço tem impacto em áreas como economia, gestão e políticas públicas, trazendo soluções baseadas em evidência para problemas complexos.
Na FEP, a IA pode igualmente ser utilizada em projetos de investigação. Por exemplo, modelos baseados em machine learning podem ajudar a prever comportamentos fraudulentos e a propor estratégias para melhorar a fiscalização. Além disso, a capacidade da IA de realizar simulações detalhadas permite explorar cenários económicos e políticos, fornecendo dados valiosos para a tomada de decisão. No entanto, a utilização de IA na investigação exige uma atenção redobrada a possíveis vieses algorítmicos ou das fontes usadas pelas ferramentas, nomeadamente.
Se os dados utilizados estiverem enviesados, os resultados podem perpetuar desigualdades ou levar a conclusões incorretas. Assim, o uso de IA na ciência deve ser acompanhado de uma supervisão ética rigorosa, com base em princípios de investigação igualmente sólidos, como os seguidos na FEP.
(iv) Desafios Éticos e Educação
A integração da IA no ensino superior exige uma abordagem ética sólida. Ferramentas de IA, ao processarem dados sensíveis, como o desempenho académico e o histórico pessoal dos Estudantes, requerem um controlo rigoroso para garantir a privacidade. A transparência e a explicabilidade dos algoritmos também são essenciais para evitar discriminação ou decisões automatizadas injustas.
Por outro lado, a formação dos Professores e Colaboradores para utilizarem ferramentas de IA de forma eficaz é indispensável. A alfabetização digital deve ser uma prioridade nas estratégias institucionais para garantir que a tecnologia é usada como um complemento ao ensino e não como um substituto das competências humanas.
Faço notar que a FEP aderiu aos princípios éticos na educação PRME (Principles for Responsible Management Education), possuindo ainda a acreditação AACSB (Association to Advance Collegiate Schools of Business), que também tem sólidas exigências a esse nível.
A respeito da IA na educação, não posso deixar de agradecer o enorme contributo do Professor João Gama, da FEP, que é um dos nossos maiores especialistas nacionais na área da IA e machine learning. No passado dia 25, o Professor João Gama lecionou na FEP a sua última aula, intitulada “Where Do We Come From? Where Are We Going?”, um evento que culmina um trajeto académico e científico excecional. Saliento ainda que o seu percurso na FEP se iniciou com um convite do Professor Pavel Brazdil, também da FEP e outro dos grandes especialistas nacionais em IA. O meu muito obrigado aos dois por terem colocado a FEP na vanguarda do ensino da IA em economia e gestão.
(v) A Colaboração Academia-Indústria: Um Caminho a Percorrer
A colaboração entre universidades e a indústria – com realce para a de base mais tecnológica – pode acelerar a inovação e proporcionar soluções adaptadas às necessidades do ensino superior. Parcerias estratégicas, como a colaboração da FEP com a Microsoft, são exemplos de como estas sinergias podem resultar em ferramentas pedagógicas mais eficazes, como chatbots avançados e plataformas de personalização de conteúdos. Estas parcerias permitem às universidades aceder a tecnologias de ponta e ajudam as empresas a desenvolver produtos ajustados ao setor educativo. Contudo, a partilha de dados deve ser feita de forma responsável e dentro de um quadro regulatório claro.
No sentido inverso, é fundamental que o conhecimento gerado nas universidades seja transferido para o tecido empresarial – e o setor dos bens e serviços transacionáveis internacionalmente em particular, com realce para a indústria – e transformado em valor económico. Essa conversão de geração de conhecimento para valor económico é um dos principais défices do nosso sistema de inovação, apontado nos sucessivos relatórios do European innovation Scoreboard da Comissão Europeia. Estou em crer que a IA poderá ser um importante facilitador dessa conversão crucial para que Portugal possa elevar a geração de valor, a produtividade e o nível de vida, mas também aqui a interação humana é fundamental, de modo a aproximar os mundos da academia e das empresas.
(vi) Visão para o Futuro
A inteligência artificial tem o potencial de transformar profundamente o ensino superior nos próximos anos. Prevejo um futuro onde a aprendizagem será cada vez mais personalizada, inclusiva e interativa, mas também mais interconectada globalmente. As universidades terão a capacidade de colaborar em tempo real, utilizando a IA para abordar desafios partilhados e desenvolver soluções conjuntas. No entanto, este progresso só será sustentável se estiver ancorado em valores éticos sólidos. A privacidade dos Estudantes, a transparência dos sistemas e a igualdade no acesso às tecnologias são pilares que não podem ser comprometidos, assim como a ética e o rigor na investigação, que por sua vez alimenta os conteúdos educativos. A IA deve ser uma ferramenta para complementar, e não substituir, o valor humano que está no centro da educação e da investigação.
(vii) Em conclusão:
A IA é uma aliada poderosa, mas não é uma panaceia. O ensino superior deve adotar esta tecnologia com responsabilidade, garantindo que serve como um meio para alcançar o fim maior: o desenvolvimento integral dos estudantes e o avanço do conhecimento. Só assim podemos construir um futuro onde inovação e humanidade – que nos torna únicos – coexistam harmoniosamente. Por outro lado, devemos ser suficientemente flexíveis para alcançar um equilíbrio adequado entre a regulação (para precaver riscos) e a necessária abertura à inovação e ao progresso tecnológico.