Rute Serra, Jornal i online

Com o novo ciclo de financiamento comunitário e o PRR a decorrer, Portugal encontra-se num momento crítico em termos de gestão de fundos europeus. A confiança que a União Europeia deposita no país depende, em grande medida, da capacidade de garantir uma gestão eficiente e transparente dos fundos

O relatório mais recente do Tribunal de Contas Europeu, intitulado “Relatório Especial 22/2024: Duplo financiamento pelo orçamento da UE – Faltam elementos essenciais nos sistemas de controlo para atenuar o risco acrescido do modelo de financiamento não associado aos custos seguido no MRR”, levanta preocupações significativas sobre o risco do duplo financiamento, em especial no contexto do Mecanismo de Recuperação e Resiliência (MRR). O duplo financiamento ocorre quando uma mesma despesa é coberta por dois programas distintos da União Europeia, um fenómeno difícil de detetar e que compromete a eficiência e eficácia dos fundos comunitários. Este risco é particularmente elevado devido a falhas nos sistemas de controlo e à falta de coordenação entre os vários programas de financiamento da UE.

Em Portugal, a gestão dos fundos europeus tem sido crucial para o desenvolvimento socioeconómico do país, apoiando a modernização de infraestruturas, o crescimento de PME e a transição digital e energética. Programas como o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) representam uma oportunidade única para alavancar o crescimento sustentável do país, mas também exigem uma administração rigorosa e transparente dos recursos. O relatório do Tribunal de Contas Europeu sublinha que o duplo financiamento pode minar esses esforços, prejudicando o impacto dos fundos, naquele que é o seu principal objetivo.

Um dos principais desafios destacados pelo relatório é a falta de interoperabilidade e integração entre os sistemas de monitorização dos fundos, o que dificulta a deteção de sobreposições de despesas entre diferentes programas de financiamento. Para aquele Tribunal, o duplo financiamento é um verdadeiro “ângulo morto” da fiscalização, o que significa que, muitas vezes, essas práticas escapam ao controlo das autoridades responsáveis.

Com o novo ciclo de financiamento comunitário e o PRR a decorrer, Portugal encontra-se num momento crítico em termos de gestão de fundos europeus. A confiança que a União Europeia deposita no país depende, em grande medida, da capacidade de garantir uma gestão eficiente e transparente dos fundos. O duplo financiamento não é apenas uma questão técnica; compromete diretamente a eficácia dos projetos de recuperação e cria injustiças na distribuição dos recursos.

Para enfrentar este desafio, destacam-se as medidas que urge implementar e desenvolver:

  1. Reforçar a monitorização e a auditoria, através da implementação de sistemas de controlo integrados, que permitam aferir, em tempo real, a alocação de fundos em diferentes programas;
  2. Capacitar e formar os trabalhadores das entidades gestoras de fundos (públicas e privadas), de modo a assegurar que estas compreendem as regras de elegibilidade dos fundos e estão cientes dos riscos de duplo financiamento;
  3. Cooperar institucionalmente, através da partilha de informação e de uma abordagem ao controlo, coordenada;
  4. Aplicar sanções rigorosas em casos provados de duplo financiamento;
  5. Facilitar, nomeadamente à sociedade civil, o acesso à informação sobre a utilização dos fundos, promovendo uma maior responsabilização das entidades envolvidas.

Da monitorização de execução da Estratégia Nacional Antifraude, publicada em julho de 2023, pouco ou nada se sabe. Seria útil, num verdadeiro exercício promotor da transparência, que essa informação fosse disponibilizada de modo claro e acessível, a todos os cidadãos.

Este é o momento de agir, antes que os erros se tornem insustentáveis e comprometam a recuperação e o crescimento do país.