José António Moreira, Jornal i online
Por que haveria alguém com responsabilidades de governo de se preocupar com os efeitos financeiros futuros supervenientes às decisões tomadas se, quando tais efeitos se concretizarem, a responsabilidade de os acomodar será de outro governante?!
Há dias, o governo, na pessoa da ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, comunicou uma importante alteração ao regime de atualização das pensões: produzindo efeitos para as que forem atribuídas a partir 2024, elas passarão a ser atualizadas desde o ano seguinte ao da respetiva atribuição. Medida de inegável justiça, que peca por tardia, corta com o regime até agora vigente, em que tal atualização apenas tinha início no segundo ano após a atribuição da pensão.
Segundo a ministra, na comunicação aos media, o custo previsto para a medida, no primeiro ano, relativo às pensões atribuídas em 2024, é de 42 milhões de euros. Ninguém perguntou, a ministra também não adiantou, qual o custo total esperado da medida. Dado que a antecipação da atualização irá afetar, em alta, o valor das atualizações nos períodos seguintes, o custo total será bem diferente do montante referido. Supondo que as pensões aprovadas em 2024 serão pagas durante 20 anos e que nesse período irão ser atualizadas a uma taxa média anual de 3%, então tal custo rondará 75 milhões de euros.
Provavelmente, a ministra não teria ideia de qual será esse custo global. A perceção que se tem é que a atenção dos governantes é completamente monopolizada pelo impacto que as decisões que tomam terão no orçamento do ano corrente ou do seguinte, consoante os casos; e que nem no momento da tomada de decisão sobre a afetação de recursos os governantes têm em consideração as consequências económicas futuras dos seus atos.
Pode argumentar-se que a miopia temporal dos governantes é determinada pelo facto de os respetivos cargos serem de duração imprevisível, mas com tendência acentuada para o curto prazo. Em tal contexto, por que haveria alguém com responsabilidades de governo de se preocupar com os efeitos financeiros futuros supervenientes às decisões tomadas se, quando tais efeitos se concretizarem, a responsabilidade de os acomodar será de outro governante?!
Porém, uma outra razão pode também ajudar a explicar tal miopia, mesmo que não seja tão óbvia: a natureza do sistema contabilístico ainda utilizado pela Administração Central. Baseado na “contabilidade de caixa”, tal sistema apenas exige o registo do que se paga ou se recebe no período de referência. Não regista as responsabilidades futuras assumidas no decurso do mesmo, obviando a que qualquer agente económico, a começar por aquele que toma uma decisão de política económica, possa ter uma perspetiva global da situação financeira da entidade (Estado) e do impacto que a decisão que toma terá em tal situação.
Em 2015 foi lançado o Sistema de Normalização Contabilística para as Administrações Públicas (SNC-AP). Pretendia ser, para tais administrações, um sistema contabilístico semelhante ao utilizado pelas entidades empresariais, obviando às limitações da “contabilidade de caixa” e permitindo uma mais alicerçada tomada de decisões com impacto financeiro. Quase dez anos passados, a tarefa da respetiva implementação ainda está longe da conclusão. Pese a dificuldade que sempre se reconheceu a essa tarefa, fica-se com a ideia de que a nível governamental nunca se encarou esse novo sistema como uma prioridade. Será, também, uma mera questão de miopia temporal, ou haverá algo mais nesse desinteresse?!