Óscar Afonso, Dinheiro Vivo

Na semana passada, o Gabinete de Estudos da Faculdade de Economia da Universidade do Porto (FEP) apresentou o 3º e último capítulo do 1º número da publicação “Economia & Empresas: tendências, perspetivas e propostas”.

O estudou refutou ideias falsas a respeito da relação entre imigração e economia, mas há mais conclusões relevantes, pois são apresentadas projeções em retrospetiva e em perspetivas para as várias componentes de dinâmica populacional, não apenas para a imigração.

Neste artigo procuro sobretudo rebater, de forma pedagógica, as imprecisões ou mesmo erros de análise mais comuns que perpassaram nos media e, sobretudo, em comentários nas redes sociais, tendo para tal elaborado uma espécie de FAQ (frequently asked questions), ou seja, um conjunto de respostas e questões (erros) mais frequentes com a amostra que tive oportunidade de analisar.

Este artigo serve ainda como alerta para os jornalistas na área económica quanto ao tipo de erros que poderão evitar no futuro se evitarem reinterpretações de texto que podem não estar corretas, devendo cingir-se o mais possível ao texto de base já interpretado em estudos académicos como os da FEP.

Antes disso, cito o texto do comunicado de imprensa da FEP, preparado para uma audiência alargada – mais acessível do que o sumário executivo, talvez um pouco denso e técnico demais para a população em geral, admito, mas tal foi necessário por uma questão de rigor e transparência –, nas partes relevantes para as respostas às FAQ, que beneficiam ainda de explicações contidas no sumário executivo.

Quem tiver lido o comunicado, poderá passar esta parte à frente e passar diretamente para a FAQ, onde poderá até escolher a resposta à questão que lhe causa mais dúvidas.

Título: Portugal precisa de mais imigração se quiser elevar o crescimento económico e o nível de vida

Subtítulo: Para entrar no grupo dos países mais ricos da UE até 2033, Portugal deve crescer 3% ou mais ao ano, o que impede uma queda da população de 5,8% (no cenário sem mudança de políticas) e pressupõe mais imigração

“O estudo usa o modelo económico do capítulo anterior para estimar a evolução da população e das suas componentes, a taxa de crescimento natural (a diferença entre a taxa de natalidade e a taxa de mortalidade) e a taxa de crescimento migratório (a taxa de imigração menos a taxa de emigração), nos países da União Europeia em 1999-2022.

Os resultados de estimação, juntamente com a análise de correlações parciais, mostram que a emigração nos países da UE, desde o início do milénio, é sobretudo de pessoas imigradas – atraídas por maiores níveis de vida inicial e dinâmicas de crescimento económico, as variáveis explicativas –, que depois saíram ao encontrar melhores oportunidades noutros países no período de análise pelas mesmas razões económicas.

Pelo contrário, a emigração de residentes por razões económicas (com menor peso relativo) ocorre sobretudo em países com baixo crescimento económico e nível de vida inicial, além do efeito tradicional, de menor expressão, de saída para países vizinhos de nível de vida similar (alto ou baixo) e crescimento económico associado.

Em Portugal, o fraco crescimento económico e o baixo nível de vida inicial explicam a emigração de um terço dos nossos jovens (…).

O estudo da FEP contraria, de forma quantificada, o mito de que os imigrantes ‘empurram’ os nacionais para fora do mercado de trabalho e para a emigração, realçando ainda que a integração dos imigrantes alarga de forma sustentada o mercado interno e, dessa forma, as oportunidades de investimento e emprego para todos, além do seu contributo positivo para a Segurança Social, apontado em diversos estudos anteriores.

O capítulo revela ainda que os imigrantes tendem a permanecer mais tempo (sensivelmente o dobro, em termos médios) nos países com um nível de vida relativo de partida elevado por comparação com os países de maior crescimento económico.

Em Portugal, é preciso aproveitar as fases de maior crescimento, como a atual (impulsionada por fatores temporários como o PRR e o ‘boom’ do turismo) para reter os imigrantes atraídos por essa dinâmica antes que se esgote (…).

A decomposição das dinâmicas demográficas de Portugal em 1999-2022 revelou fatores não económicos (além dos estimados) favoráveis na maioria das componentes, com exceção da taxa de imigração (…).

Sem mudança de políticas, o crescimento económico anual previsto de 1,11% até 2033 causa uma queda estimada da população de 5,8%, bastante acima da perda de 2,1% projetada no Ageing Report de 2024, que não usa o modelo económico empregue. No entanto, se Portugal crescer 3% ao ano via reformas estruturais – o mínimo para atingir a metade de países mais ricos da UE em 2033 –, a subida da taxa de imigração média para 1,321% permite compensar o saldo natural negativo e estabilizar a população. Trata-se de uma taxa de imigração acima do pico de 1,13% atingido em 2022.

Uma economia mais dinâmica e um maior nível de vida pressupõem que Portugal se organize para acolher um fluxo ainda maior de imigrantes no futuro de forma controlada, incluindo mecanismos ligados à evolução económica, como o requisito prévio de um contrato de trabalho e a auscultação das necessidades de trabalhadores das empresas, acompanhados de uma fiscalização adequada.”

FAQ do estudo de dinâmicas demográficas da FEP:

1. É o crescimento económico que causa a imigração no estudo ou é o contrário?

A maior parte das notícias (e os respetivos títulos) reinterpretou o sentido da causalidade erradamente, referindo que é a imigração que causa o crescimento económico, quando não é isso que é dito, pois no estudo é o crescimento económico que causa uma maior taxa de imigração (mantendo contante o nível de vida inicial, a outra variável explicativa), que traduz o peso do fluxo de imigrantes permanentes de um dado ano na população no final do ano precedente ou início desse ano (ou seja, um stock).

Como refere o título do comunicado, “Portugal precisa de mais imigração se quiser elevar o crescimento económico e o nível de vida”, o que já aponta que o sentido da causalidade é do crescimento para a imigração, mas tal poderia ser facilmente verificado no sumário executivo, se houvesse dúvidas. Como é lá mencionado, foi testada e rejeitada a hipótese de o sentido da causalidade ser também o inverso (tanto nesta como nas demais componentes da dinâmica demográfica). Naturalmente, o crescimento económico faz-se com pessoas, incluindo residentes e imigrantes empregados, mas estamos a falar de valor médios

num período de análise longo (1999-2022) – no contexto dos países da UE, recordo –, pelo que talvez seja mais fácil de explicar que o crescimento começa com os residentes e a dinâmica gerada atrai imigrantes.

De uma forma mais geral, como foi referido no capítulo anterior do estudo, é a criação de condições de crescimento económico que gera uma maior dinâmica da população (o que também se verifica nas suas componentes, como mostra o 3º capítulo) no modelo e não o acréscimo de população que gera mais crescimento, o que talvez seja a perceção de senso comum, mas foi testada e rejeitada.

2. Portugal tem atualmente uma taxa de desemprego acima da UE. Não deveríamos começar por empregar mais residentes desempregados antes de pensar em ir buscar mais imigrantes?

Alguns dos comentários mais críticos do estudo foram neste sentido. Em primeiro lugar, é preciso explicar que não se pode olhar para a taxa de desemprego num ano – que depende da fase do ciclo económico – para criticar um estudo focado em tendências de longo prazo (o período de análise que suportou as estimações é 1999-2022, como referido), que esbatem os efeitos cíclicos. Se quisermos ir por aí, temos de pensar que um crescimento económico mais alto na média de um período longo tende a ser acompanhado de uma taxa de desemprego média menor e, assim, uma taxa de emprego média mais alta, integrando quer residentes quer imigrantes, o que se liga com a frase do comunicado de que “a integração dos imigrantes alarga de forma sustentada o mercado interno e, dessa forma, as oportunidades de investimento e emprego para todos”. É, por isso, uma falácia pensar que “os imigrantes ‘empurram’ os nacionais para fora do mercado de trabalho e para a emigração”, como é salientado no comunicado.

Igualmente importante, uma taxa de crescimento mais alta, que é o pressuposto da projeção feita (para atingirmos um nível de vida relativo mais elevado), leva a uma menor emigração de residentes (outra conclusão importante do estudo), que estarão assim mais presentes no mercado de trabalho (do que num cenário de menor crescimento), juntamente com mais imigrantes atraídos por essa dinâmica. Chamo ainda atenção que a interpretação literal da questão é ainda mais absurda, ao pressupor que o governo intervém na decisão de uma empresa contratar um residente ou um imigrante, o que é falso a partir do momento em que entram imigrantes livremente, sendo que na UE há livre circulação de trabalhadores.

3. Ainda há quem insista em ter verdadeiros escravos (depreende-se que os imigrantes) a realizar trabalhos desumanos e precários, quando poderíamos ter robôs para essas tarefas.

A resposta divide-se em três partes. Em primeiro lugar, quanto à robotização, até ver, a máquina não substituiu totalmente o homem e haverá sempre quem esteja envolvido no desenho das mesmas, fora cenários apocalípticos (para já, apenas presentes em filmes de ficção científica) em que as máquinas são autossuficientes e não precisam de humanos. Esta questão é antiga e remonta à primeira Revolução Industrial, tendo-se verificado, nessa e nas revoluções seguintes, que algumas profissões desaparecem e são criadas novas, pelo que, passado um período inicial de ajustamento, há ganhos líquidos de emprego após cada uma dessas revoluções, sendo, por isso, expectável que o mesmo aconteça após a revolução atual da digitalização. Relembro que há aspetos que nos caracterizam como humanos que nunca poderão ser replicados por máquinas, por mais sofisticadas que sejam. Por exemplo, com uma população envelhecida, a procura por cuidadores permanentes e cuidados de saúde será cada vez maior, sendo que a qualidade do cuidado humano será sempre superior ao de qualquer máquina, mas há mais exemplos, como nas artes performativas, no desporto, na religião e em áreas em que a essência física e espiritual do que nos caracteriza como humanos será sempre distintiva. A um nível mais analítico, apesar da rapidez de processamento da máquina ser muito superior, há aspetos de criatividade, estratégia, intuição, experiência, sabedoria e inteligência emocional que dificilmente conseguirão ser alguma vez replicados por uma máquina, pelo que há também lugar e procura na nova economia de pessoas com estas características – que deverão ser estimuladas no nosso sistema de ensino –, em particular quem saiba interpretar o complexo mundo em que vivemos e seja criativo e disruptivo. Devemos pensar nas máquinas mais como adjuvantes e potenciadores da ação e progresso humanos do que como substitutos.

Quanto à segundo parte da afirmação, tendo implícito que não deveríamos ter imigrantes porque são explorados – uma das críticas que mais li, geralmente aparecendo de forma isolada –, chamo a atenção que, desde há vários anos a esta parte, Portugal tem programas de atração de imigrantes altamente qualificados através de condições fiscais muito vantajosas (infelizmente, não acessíveis aos residentes, algo que tenho criticado por criar injustiça fiscal) e tendo implícito emprego qualificado. Portanto, não é verdade que os imigrantes sejam apenas empregues em situações desumanas e precárias como se subentende da crítica. Infelizmente, as situações de precariedade que existem na economia – e devem ser combatidas pelas autoridades competentes – serão até mais frequentes em residentes, pois são a esmagadora maioria da população empregada. Combater essas situações pressupõe fiscalização (e meios para tal), bem como uma especialização económica em setores de maior valor acrescentado, que possam pagar melhor e oferecer melhores condições de trabalho, como tenho vindo a defender. Sublinho ainda que o estudo defende a imigração legal e controlada, nomeadamente por via de “mecanismos ligados à evolução económica, como o requisito prévio de um contrato de trabalho e a auscultação das necessidades de trabalhadores das empresas, acompanhados de uma fiscalização adequada”, de modo a evitar e lidar com situações de imigração ilegal, incluindo investigar e acabar com as redes ilegais. De notar também que os imigrantes decidem mudar o sítio onde vivem em busca de condições melhores (para si e para as suas famílias, se forem acompanhados), como é natural, pelo que ficarem nos países de origem seria uma situação pior, o que torna a afirmação inconsistente desse ponto de vista. Acresce que há várias profissões em que as empresas só conseguem acesso a trabalho especializado com imigrantes, pelo que o interesse da relação contratual é mútuo. Por outro lado, se os imigrantes não se sentirem bem, mudam-se para outro país da UE – o estudo mostra uma elevada mobilidade dos imigrantes por motivos económicos (sobretudo os atraídos por maior crescimento económico, por comparação com a decisão baseada no nível de vida inicial dos países), que é superior à mobilidade por motivos não económicos.

Em terceiro lugar, a ligação estabelecida na frase de substituir imigrantes por máquinas é ainda mais absurda. Faço notar que, num cenário extremo e meramente académico em que as empresas excluem totalmente os humanos como força de trabalho – e aí apenas o empresário será humano, pois se for uma máquina deixamos de ter uma empresa no sentido em que hoje o conhecemos e não a podemos designar como tal, pois não sabemos qual o seu propósito –, tal será extensível a todos, residentes e imigrantes.

Mais questões poderiam ser respondidas, mas fico por aqui porque o artigo já vai longo. Termino apenas com uma ideia que dá ainda mais suporte ao estudo, focado nos países da UE.

Os EUA, que têm a economia mais dinâmica entre os países avançados de uma forma consistente, são um país construído por imigrantes (inicialmente, apenas europeus) e, apesar dos problemas com a imigração ilegal – que terá de combater mais eficazmente, tal como a Europa –, os imigrantes são uma das forças motrizes que explicam a pujança da economia norte-americana, até porque é sabido que a diversidade estimula a criatividade e a inovação (novas ideias e modos de pensar e realizar).