Daniel Espínola, Jornal i online

As questões ambientais são essenciais para uma agenda de integridade, tanto no âmbito público quanto no privado. Agir com integridade exige tomar decisões que garantam um futuro sustentável, levando em conta as consequências a longo prazo para todos.

Embora pareçam eventos muito distintos, a corrupção e a crise climática são fenómenos intrinsecamente ligados. A urgência e a relevância da temática ambiental podem ser exploradas de diversos modos por aqueles que buscam lucrar de forma ilícita, corroendo a confiança nas instituições, distorcendo as políticas públicas e facilitando a prática de crimes ambientais. Além disso, a corrupção mina esforços de processos de adaptação às mudanças climáticas e de transição energética, que podem ocorrer com atrasos e em níveis insuficientes, exacerbando as desigualdades entre países ricos e pobres.

O estudo pioneiro “Atlas de Clima e Corrupção”, produzido em 2022 pela Transparência Internacional – Brasil, destaca que países com altos índices de corrupção tendem a ter políticas ambientais mais fracas, resultando em maiores níveis de desmatamento, poluição e exploração ilegal de recursos naturais. No Brasil, o estudo identificou diversos casos de corrupção que comprometem a implementação do Acordo de Paris e de outros compromissos internacionais.

Na esfera política é comum as atividades de lobby em defesa da flexibilização de normas ambientais e da manutenção de incentivos que favorecem atividades pouco eficientes e altamente poluidoras, muitas vezes à custa de alternativas mais sustentáveis e acessíveis para a população. No Brasil, o lobby da indústria de agrotóxicos conseguiu aprovar o Projeto de Lei nº 1.459/2022, que incentiva o uso de agrotóxicos e reduz as competências de órgãos fiscalizadores. Em Portugal, por sua vez, o setor agroflorestal também tem exercido forte influência política, especialmente em relação à monocultura de eucalipto – árvore de crescimento rápido e utilizada principalmente na produção de celulose. O país possui a maior área de plantações de eucalipto proporcional ao seu tamanho do mundo. Mas este tipo de plantação é frequentemente associado a um maior risco de incêndios florestais, à perda de biodiversidade e a um grande consumo de água e minerais do solo.

Fraudes e subornos de agentes públicos também são recorrentes, visando burlar sistemas de controle, como os da mineração, produzindo o branqueamento de atividades de origem irregular. O fluxo de comprovação de extração de minérios no Brasil, como o ouro, está sujeito a documentações forjadas sem muitas dificuldades, dificultando a definição de sua origem. Essas fragilidades do sistema de controle da cadeia possibilitam, inclusive, a atuação de redes de organizações criminosas que delas se beneficiam. 

A corrupção também pode minar os esforços dos países em processos de adaptação e transição energética, desviando recursos destinados a projetos como a restauração de florestas, o desenvolvimento e a geração de energias renováveis e a adaptação às mudanças climáticas. Isso prejudica a eficácia dessas iniciativas e compromete a sustentabilidade financeira a longo prazo. Em Portugal, projetos de mineração de lítio – mineral essencial para para produção de baterias elétricas – e de hidrogénio verde, conduzidos com pouca transparência e possivelmente aprovados de forma irregular, acabaram por levar à queda do primeiro-ministro António Costa.

O mercado de carbono – sistema econômico de compra e venda de cotas de emissões para incentivar a redução de emissões de gases de efeito estufa – espera alcançar uma cifra de 50 bilhões de dólares em 2030. Mas sabe-se que onde há grandes fluxos financeiros, o risco de corrupção é igualmente expressivo. Os mercados de créditos de carbono são ainda pouco regulamentados e, consequentemente, seus manuseios carecem de mecanismos de governança sólidos, que garantam processos de certificação de forma transparente, mensurável e monitorável.

Iniciativas como a regulamentação das atividades de lobby, o fortalecimento da transparência e accountability nos processos de decisão, a estruturação dos órgãos de controle e fiscalização, assim como uma maior celeridade em processos de investigação, são caminhos já conhecidos para os países fortalecerem o combate à corrupção. Todavia essas ferramentas precisam ser aperfeiçoadas sob a ótica dos desafios do enfrentamento da crise climática e ambiental.  Por exemplo, é crucial desenvolver mecanismos para rastrear o fluxo de recursos financeiros destinados a projetos climáticos, aprimorar as normas de sustentabilidade em compras públicas, e investigar potenciais conflitos de interesse de servidores públicos envolvidos em licenciamentos ambientais.

Vivemos uma realidade em que as questões ambientais não podem mais ser negligenciadas. Elas são essenciais para uma agenda de integridade, tanto no âmbito público quanto no privado. Agir com integridade exige tomar decisões que garantam um futuro sustentável, levando em conta as consequências a longo prazo para todos – e isso perpassa também por garantirmos estruturas de prevenção à corrupção mais adequadas ​​aos desafios do enfrentamento da crise climática.