Óscar Afonso, Jornal i online
É desejável um processo de racionalização e revisão dos Benefícios Fiscais que inclua uma avaliação e eliminação dos que se revelem objetivamente injustificados
Os Benefícios Fiscais (BFs) são um importante instrumento de políticas públicas – nomeadamente para corrigir falhas de mercado –, mas a sua proliferação e exagero, por falta de controlo, pode trazer problemas, dos quais destaco três que me parecem evidentes:
(i) A complexificação do sistema fiscal, que pode afastar investidores do país e abrir a porta a situações de favorecimento e corrupção;
(ii) O avolumar da despesa fiscal, dificultando o equilíbrio orçamental e significando que outra despesa fica por fazer ou só pode ser feita com recurso a mais receita pública;
(iii) A criação de distorções, se os incentivos estiverem mal desenhados (induzindo comportamentos que se afastam do desejado), bem como de desigualdades, pois é sabido que são os cidadãos e as empresas mais bem informados e com mais recursos que tendem a aproveitar melhor os BFs.
Por isso, os BFs devem ter uma fundamentação clara e estar sujeitos a reavaliações periódicas, com o objetivo de verificar se os fundamentos que justificaram a sua criação ainda se mantêm.
Analisando o programa do XXIV Governo Constitucional, salvo se eu estiver enganado – o que admitirei de imediato se alguém me corrigir –, concluo que não está prevista a “redução e racionalização da despesa fiscal (BFs)”, um dos pilares fundamentais da reforma fiscal incluída no programa eleitoral da AD.
Pelo contrário, o programa do governo prevê a expansão de vários BFs existentes e até a criação de novos. Embora a maioria desses BFs me pareça justificável, considero crucial conter a despesa fiscal para garantir o equilíbrio orçamental, especialmente face à redução prevista das taxas de IRC e IRS (com o IRS Jovem a ter um impacto significativo). Isso exigiria, pelo menos, uma menção à necessidade de reavaliação e eliminação de BFs injustificados.
Isto porque leva sempre algum tempo até que o aumento da competitividade resultante da redução do IRC e do IRS contribua para um maior crescimento económico. Além disso, é necessário um período ainda mais longo para alcançar uma efetiva contenção e melhoria da eficiência da despesa pública através da desejada reforma do Estado, que até agora deu apenas dois tímidos passos no âmbito do PRR: (i) a reorganização do topo do Estado, incluindo a fusão de secretarias gerais ministeriais e a extinção de cargos de chefia, para garantir a próxima tranche do PRR; e (ii) as medidas de simplificação e digitalização dos serviços públicos inseridas no PRR. Aumentar a competitividade fiscal e conter a despesa pública são duas estratégias importantes para, a longo prazo, mitigar a perda imediata de receita fiscal, evitando aumentos em outros impostos, mesmo que menos distorcionários da atividade económica, como os impostos indiretos. A revisão dos BFs deveria contribuir para este processo, cumprindo a promessa eleitoral.
No desejável processo de racionalização e revisão dos BFs, é recomendável começar pelo estudo de 2019 intitulado 'Os Benefícios Fiscais em Portugal', elaborado pelo Grupo de Trabalho criado para o efeito, conforme o Despacho n.º 4222/2018, de 26 de abril, do Gabinete do Ministro das Finanças do anterior governo. Apesar de ter encomendado o estudo, não me consta que o governo anterior o tenha usado, o que é mais um motivo para que não seja esquecido e tenha sequência.
Por outro lado, a encomenda deste estudo pelo anterior governo PS indica que a revisão dos BFs pode servir como um ponto de consenso entre a AD e, pelo menos, o PS nas negociações sobre o Orçamento de Estado de 2025.
Para ilustrar a relevância dos BFs, o estudo indica que, incluindo as taxas preferenciais de IVA, as receitas fiscais cessantes correspondem a cerca de 6% do PIB, um montante superior ao total do orçamento do Ministério da Saúde e quase o dobro do orçamento do Ministério da Educação. Mesmo desconsiderando as taxas preferenciais de IVA, o impacto ainda representa 2% do PIB. Assim, os BFs são um instrumento de políticas públicas substancialmente significativo e devem ser geridos com o máximo rigor.
O estudo sublinha que se trata de um trabalho inacabado, dado que o objetivo não era realizar uma avaliação aprofundada de todos os BFs, o que seria impraticável no tempo disponível, mas sim proceder ao seu levantamento e caracterização. O estudo propõe um conjunto de procedimentos para tornar a decisão sobre a criação e a continuidade dos BFs mais transparente e fundamentada. Considerando que existem mais de 500 BFs, o estudo aponta para um aparente facilitismo na sua criação. Avaliar cada um individualmente seria uma tarefa hercúlea e consumiria recursos desproporcionados em relação aos objetivos a atingir. Embora seja verdade que alguns BFs representam partes significativas da despesa fiscal, os menos significativos, quando somados, são suficientemente relevantes para não serem negligenciados, segundo o Grupo de Trabalho (GT).
Além disso, o estudo destaca que “os BFs estão dispersos por mais de 60 diplomas legais” e que “os conceitos e classificações utilizados são ambíguos, tornando difícil perceber qual o conceito ou classificação em vigor”, entre outras dificuldades enfrentadas pelo GT. O estudo é, a meu ver, extremamente valioso e deve prosseguir para permitir uma revisão efetiva dos BFs. O GT propõe “uma metodologia para a criação, monitorização e avaliação dos BFs”, incluindo:
- “A criação de uma Unidade Técnica para a Avaliação de BFs (…) responsável pela avaliação ex-post”;
- Um “enquadramento orgânico [nos ministérios] e funcional dos BFs propostos, que contribua para a responsabilização transversal pelo controlo da despesa pública”, pois isso “permite a comparabilidade com a despesa direta” – ao clarificar “a receita negativa gerada” –, bem como “a avaliação dos BFs no contexto do esforço de consolidação orçamental”;
- “A consideração de instrumentos”, “nomeadamente despesa direta, como alternativa a novos BFs, por duas ordens de motivos: (i) são mais facilmente controláveis; (ii) podem abranger todos os indivíduos, empresas ou organizações, e não apenas” “sujeitos passivos de impostos ou que tenham coleta. Em cada novo BF devem ficar claras as razões” da “escolha desse tipo de instrumento”;
- “Introduzir uma total clareza na aplicação das regras relativas à caducidade dos BFs, garantindo que a renovação ou revogação, total ou parcial, de um BF” seja “sempre efetuada de forma expressa”;
- “A criação de um espaço on-line «Área Benefícios Fiscais» onde estaria alojada a base de dados”. “Esta área deveria alojar igualmente os relatórios da despesa fiscal e a divulgação dos sujeitos passivos de IRC que utilizaram BFs nos termos do artigo 15.º-A do EBF. A coerência entre a informação” “deve ser garantida” “entre esta base de dados e o relatório da despesa fiscal”;
- “A revisão do classificador dos BFs para refletir de forma mais adequada a realidade económica, social e cultural do país”;
- “Começar uma avaliação periódica dos BFs existentes. Esta avaliação deve ser feita por uma Unidade Técnica em ciclos de 5 anos” e “abranger de forma progressiva todos os BFs”. “A definição do calendário” “deverá atender à materialidade e/ou à relevância política”. “A Unidade Técnica deverá” ainda “acompanhar a criação de novos BFs e garantir que a metodologia definida” “seja seguida”.
Após a leitura deste artigo, considero evidente a importância da revisão dos BFs e a necessidade urgente de (re)colocar este tema na agenda política.