Óscar Afonso, Dinheiro Vivo
Na altura em que escrevo este artigo são já conhecidos os resultados das eleições para o Parlamento Europeu, que se mantém maioritariamente moderado, apesar de uma ascensão já esperada dos partidos de extrema-direita, se bem que com contornos e implicações bastante distintas nos vários países.
Com efeito, se em Portugal o Chega teve uma votação bem abaixo do esperado – face ao objetivo do seu líder de ser o partido mais votado, mas também face às ultimas eleições legislativas – e o panorama político não se alterou (a escassa maioria do PS face à AD cai na categoria de empate), já em Franca assistiu-se a um resultado esmagador do partido Rassemblement National de Marine LePen, o que levou o Presidente Macron a convocar eleições legislativas.
Passada mais esta etapa eleitoral, é o tempo dos governos e deputados, europeus e nacionais, colocarem 'mãos à obra' no que se refere às políticas públicas, que terão de ser mais decisivas.
Neste artigo abordo as perspetivas económicas de Portugal e, sobretudo, da União Europeia (UE-27), em confronto com os Estados Unidos e a China, que disputam a hegemonia global.
Usando a base de dados do World Economic Outlook do FMI de abril, os dados do PIB – em retrospetiva, de 1999 a 2023, bem como em perspetiva, até 2029 – confirmam o baixo dinamismo da economia portuguesa em comparação com a UE-27 desde o início do milénio, mas também desta relativamente aos EUA e à China (algo que geralmente tem pouca análise e destaque nos media nacionais), o que deve merecer a atenção dos decisores europeus, incluindo os recém-eleitos eurodeputados portugueses.
Mais concretamente, em matéria de crescimento económico, a UE-27 registou valores médios anuais de 1,7% entre 1999 e 2019, 1,1% entre 2019 e 2023, e o FMI prevê 1,6% de 2023 a 2029 (de assinalar que os números da Área do Euro, AE, são ainda piores: 1,4%; 0,8% e 1,3%, respetivamente), significativamente abaixo dos valores dos EUA (2,1%, 2,0% e 2,2%) e, sobretudo, dos da China (9,0%, 4,7% e 3,8%).
Quanto a Portugal, o crescimento entre 1999 e 2019 foi de 0,9%, ainda pior que a média da UE-27 (onde teve o segundo pior registo), e só mais recentemente começou a exibir uma dinâmica um pouco superior, de 1,5% entre 2019 e 2023 (1,1% na UE-27), mas que reflete, em larga medida, fatores temporários, em particular a forte dinâmica do turismo após a pandemia e a nossa imagem de País bonito e seguro, longe da guerra na Ucrânia, mais os efeitos do Programa de Recuperação e Resiliência (PRR). Esses efeitos do PRR, se for bem executado, acentuam-se nos próximos anos e explicam o nosso crescimento acima da UE-27 na média de 2023-2029 (1,9% face a 1,6%), mas desaparecem após 2026 (após o PRR), pois Portugal volta a crescer abaixo da UE-27 a partir daí pelas previsões longas da Comissão Europeia (AgeingReport 2024).
Como o recente dinamismo de Portugal abrange poucos anos, o nosso crescimento económico anual de 1,0% desde o início do milénio, entre 1999 e 2023, é claramente inferior ao da UE-27 (1,6%; 1,3% na AE), que, por sua vez, é significativamente menor do que o observado nos EUA (2,1%) e, sobretudo, na China (8,3%). As projeções até 2029 mencionadas anteriormente encerram uma grande incerteza, em função da guerra na Ucrânia, mas também em Gaza, pelo que devem ser encaradas com cautela.
Em reflexo das dinâmicas de crescimento acima descritas, o nível de vida de Portugal subiu de 19 591 dólares correntes em Paridade de Poderes de Compra (PPC), em 1999, para 45 224 dólares, em 2023, enquanto na UE-27 o aumento foi de 22 609 para 56 964 dólares (não há dados para a AE), nos EUA de 34 496 para 81 632 dólares e na China de 2622 dólares para 23 332 dólares.
Isto mostra que Portugal está ainda a uma distância considerável do nível de vida da UE-27 e, sobretudo, do registado nos EUA, enquanto a China, apesar do grande progresso neste indicador, está ainda longe dos demais em 2023, com 51% do nível de vida de Portugal, 40% do da UE-27 e 29% do dos EUA. Como a China continuará a crescer relativamente mais até 2029 – embora em abrandamento claro –, tenderá a aproximar-se em nível de vida, mas estará ainda distante nesse ano (32 963 dólares correntes PPC, que compara com 57 384 dólares em Portugal, 69 644 dólares na UE-27 e 100 580 dólares nos EUA).
Mesmo assim, entre os três blocos económicos em análise, a China tornou-se já o maior mercado de consumo, representando 18,7% do PIB mundial em dólares correntes PPC em 2023, face a 15,6% nos EUA e 14,5% na UE-27 (Portugal representa 0,27%; não há dados para a AE), devendo a diferença aumentar até 2029 em favor da China, com os números a passarem para 19,5%, 14,7% e 13,2% (0,25%), respetivamente.
Contudo, usando apenas dólares correntes (não convertidos em PPC) para comparar os números do PIB, os EUA são ainda claramente o maior mercado de geração de valor, com uma quota de 26,1% do PIB mundial, que compara com os valores de 17,5% da UE-27 (14,8% na AE; 0,27% em Portugal) e 16,9% da China. Os EUA continuarão a liderar claramente este indicador em 2029 (25,1%), mas a China irá aproximar-se (17,9%) e ultrapassar a UE-27 (16,2%; 13,5% na AE e 0,26% em Portugal).
Nestas projeções do FMI, assinalo ainda como motivo de preocupação a perda relativa de importância da UE-27 face aos demais blocos até 2029, tanto como mercado de consumo como de geração de valor, o que poderá ser contrariado no futuro com o alargamento do espaço europeu a novos países, que deve, assim, ser visto como estratégico para o futuro da UE-27 – e de forma associada, o de Portugal, mesmo que possamos perder uma fatia de fundos europeus nesse processo – e da sua relação com os EUA e a China.
Os dados permitem ainda destacar que a taxa de investimento da China (o peso do investimento total, a Formação Bruta de Capital, no PIB) se mantém na casa dos 42% até 2029, quase o dobro dos EUA e UE-27 nesse período, ambos em torno de 22%, enquanto Portugal aparece abaixo, na casa dos 20%. Esta evolução, conjugada com as dinâmicas de evolução do PIB acima descritas, permitem-me concluir que:
(i) A China enfrentará, de forma mais marcada, a chamada lei económica das “produtividades marginais decrescentes”, pois apesar da taxa de investimento ainda ‘gigante’ – sugerindo, a par com o recuo previsto da população, um rácio de capital por trabalhador ainda crescente –, a dinâmica da produtividade e a taxa de crescimento económico baixarão para valores mais próximos (mas ainda significativamente acima) das economias mais avançadas, em linha com o conhecido Modelo de Solow;
(ii) A UE-27 continuará a registar uma dinâmica de produtividade inferior à dos EUA – dado que, com a mesma taxa de investimento e uma evolução pior da população e do emprego, irá ter um crescimento do PIB relativamente menor –, pelo que precisa de ultrapassar os bloqueios à produtividade que impedem o PIB europeu de crescer de forma mais vigorosa, nomeadamente no que se refere à redução do excesso de burocracia e regulamentação, bem como (de forma associada) em matéria de estímulo à inovação, pois é o progresso técnico o principal determinante do crescimento económico no longo prazo como nos ensinou Solow. Por isso mesmo, a UE-27 não quererá ficar atrás no domínio da inovação também face à China, mas tudo aponta para que tal já se verifique em várias áreas de futuro, incluindo na Inteligência Artificial e nas tecnologias limpas, o que urge contrariar com medidas decisivas;
(iii) Mesmo com uma fatia significativa do seu investimento a ter origem nos fundos europeus, Portugal regista uma taxa de investimento inferior à da UE-27, pelo que deverá elevar essa taxa de forma sustentável por via de um estímulo à poupança interna, de modo a subir a sua produtividade e crescimento potencial.
A análise efetuada permite concluir que a China, apesar de ser o maior mercado mundial de consumo – explicando o interesse das empresas em aí investir, mesmo com as dificuldades do regime chinês – e a dinâmica económica se manter assinalável (ainda que em abrandamento claro), nos próximos anos o seu nível de vida ainda continuará a ser baixo face aos padrões ocidentais e os EUA continuarão a ser o maior mercado de geração de valor. Por seu turno, a UE-27 deverá elevar a sua produtividade e potencial de crescimento, bem como preparar um novo alargamento, de modo a afirmar-se cada vez mais nos domínios conexos da geoeconomia e geopolítica, além do interesse em subir o nível de vida europeu.
Portugal, além de procurar aproveitar ao máximo os fundos europeus disponíveis nos próximos anos, deve preparar-se para uma redução significativa dos mesmos após 2030 e reforçar as suas taxas de poupança e de investimento, bem como canalizá-lo para setores de maior valor acrescentado.