Miguel Abrantes, Jornal i online
Num mundo em que cada vez mais se produzem aparelhos descartáveis e eletrodomésticos cuja reparação é mais cara que a compra de um novo, o foguete reutilizável da empresa Space X, Falcon Heavy, deveria ser um exemplo a seguir
Os «três R» da sustentabilidade constituem a garantia de que a satisfação das necessidades presentes é realizada sem comprometer a capacidade de as gerações vindouras satisfazerem as suas necessidades.
A sustentabilidade pressupõe que os recursos são finitos e devem ser usados de forma consciente, com vista a assegurar as necessidades futuras. Atualmente existe consenso na comunidade científica mundial que a sustentabilidade deve ser assegurada através de três compromissos: reduzir, reutilizar e reciclar.
Estes três compromissos têm origem na década de 50, nos princípios William Russell e Rex Burch, respeitantes à utilização de animais destinados à experimentação científica. Designadamente, a redução, a substituição e o refinamento». Segundo estes princípios, «deve sempre haver reflexão para tentar reduzir o número de animais por procedimento experimental, sem afetar os resultados, substituir o uso de animais sempre que possível e aprimorar métodos já descritos para minimizar o desconforto animal».
Posteriormente, a primeira crise do petróleo (em 1973) originou a tomada de consciência relativamente à finitude dos recursos. Também na década de 70, foi descoberto que os clorofluorocarbonetos (CFC), muito utilizados em aerossóis e frigoríficos, são os principais culpados pela diminuição da camada de ozono, o que danifica a atmosfera.
Estes acontecimentos originaram que os princípios de William Russell e Rex Burch tenham sido adaptados no sentido promoverem a sustentabilidade do planeta e a qualidade de vida das gerações futuras. Com a referida adaptação, os designados princípios passaram a ser conhecidos por 3 R´s: reduzir, reutilizar e reciclar.
A redução consiste em diminuir o consumo de recursos, os desperdícios e a emissão de poluentes através de um consumo mais consciente; a reutilização, na capacidade de evitar produzir desperdícios, mediante o aproveitamento sucessivo do mesmo produto; e a reciclagem, na transformação de um produto num novo artigo ou matéria-prima.
Nos últimos anos, no domínio da alta tecnologia, tivemos um exemplo de que o «segundo R», reutilização, não é apenas importante no domínio da sustentabilidade, mas também na criação de vantagens competitivas.
A colocação de satélites em órbita iniciou-se em 1957, com a colocação em órbita pela União Soviética do Sputnik 1, com a utilização do foguete Vostok. Um ano mais tarde, os Estados Unidos colocaram em órbitra o Explorer I, com a utilização do Jupiter-C, um foguete que mais tarde também foi utilizado num míssil balístico, o PGM-19 Júpiter.
A Agência Espacial Europeia, em 1973, inaugurou o projeto Ariane, que, até há data, já produziu cinco versões de foguetes, estando, neste momento, a desenvolver o sexto. Seguidamente, algumas agências estatais (disgadamente a da China e da India) e empresas privadas, como as norte americanas Spece X e Blue Origine, assim como a japonesa Astro Live Experiences também desenvolveram veículos lançadores de satélites.
Até dezembro de 2018, a característica comum a todos os lançadores satélites era a impossibilidade de reutilização. Como afirmou o Chief Executive Officer da Space X, era como se um Boeing 757 apenas realiza-se uma viagem.
Em dezembro de 2018, a situação alterou-se com a introdução do foguete Falcon Heavy, pela empresa Space X. O Falcon Heavy foi o primeiro e, até há data, único veículo transportador de satélites reutilizável. Esta caraterística criou uma enorme vantagem competitiva relativamente às empresas concorrentes, pois o preço de colocação em órbita num veículo reutilizável é muito inferior.
Este foguete, inclusivamente, provocou a morte antecipada do Ariane 5 da Agência Espacial Europeia e o nascimento antecipado (embora com atrasos) do Ariane 6, o qual, apesar redução de custos, também não é reutilizável.
Não é possível incentivar a promoção do segundo «R», da sustentabilidade - a reutilização - sem desincentivar a produção de aparelhos descartáveis. O papel dos estados neste domínio não é suficiente, à sociedade compete não se deixar iludir por excessos de consumismo. No entanto, os estados podem utilizar benefícios e agravamentos fiscais para incentivar a reutilização.