Manuel Ferreira Ramos, Jornal i online

O estado de graça dos habituais 100 dias é encurtado para um Estado de Acção de 60.

Tudo isto tem dias:

Há assuntos que regressam, com estrondo, ao lead de notícias nacional.

A Presidente da Transparência Internacional, Margarida Mano, com um mandato que se prevê excepcional, anunciou um Observatório do cumprimento das promessas eleitorais (pré anuncia-se muito trabalho e a inversão da noção de que a política é a única faceta humana em que a não verdade é tolerada).

O Governo toma posse com várias promessas com tempos fixados: a promessa de um diálogo alargado acerca do combate à corrupção e a promessa de, em 60 dias, revolucionar a Saúde, o SNS, a promessa de olhar para diversos sectores como a Educação e como, digamos assim, as Polícias entre o Ministério da Justiça e o da Administração Interna.

O estado de graça dos habituais 100 dias é encurtado para um Estado de Acção de 60.

Será agora o tempo de reler e de escrutinar os escritos feitos antes do aceitar de responsabilidades e de relembrar a Shakespeareana frase acerca da escravidão das palavras e da propriedade dos silêncios.

Podíamos, portanto, olhar para diversos sectores com responsabilidades partilhadas por todos nós… a educação, a justiça, a administração interna e a saúde.

O SNS, o acrónimo, é dúplice e é motivo de permanentes dúvidas. É Serviço Nacional de Saúde e Sistema Nacional de Saúde.

Abordar o Serviço Nacional de Saúde, conquista de Abril, com as suas raízes desde o final da década de 60, vem, portanto, a propósito.

A corrupção não é só pública e não é só comportamento individual. Daí que às vezes alguns refiram o pântano…

Na questão do Serviço Nacional de Saúde o aceitar e o tolerar silenciosamente comportamentos, no mínimo, criticáveis é algo atribuível a toda uma sociedade.

Durante anos e anos assistimos, soubemos, suspeitámos de incumprimentos de toda uma classe, de várias classes, delapidámos recursos para assegurar uma pretensa e falsa cobertura nacional de cuidados impossível de assegurar com a qualidade necessária, aceitámos a defesa, compreensível, mas excessiva, de duplicação de serviços. Demos até origem às blagues, cuja veracidade se desconhece, da avaliação de não nacionais perguntando-nos se eramos ricos perante o mimetismo de estruturas e de serviços que pela sua quantidade não poderia assegurar a necessária qualidade.

A canalização de doentes, pacientes, utentes para serviços particulares quando o problema é fácil de resolver, e o circuito inverso, quando é difícil. A aquisição dupla de equipamentos para público e para privados, suportados pelo público, ou a arrumação de equipamentos nas caves públicas para fomentar a procura no privado. Os vasos comunicantes entre as várias listas de espera, consoante o interesse privado, são histórias do século passado representativas de procedimentos hoje impossíveis de tolerar, não obstante a caridade cristã a que um pastor recorreu para tudo justificar no caso da procura pelos pais para solução para os seus filhos.

Quando, durante anos e anos, vimos ouvimos e lemos e pudemos olimpicamente ignorar corresponsabilizámo-nos todos perante os ataques ao SNS.

E conseguimos até aceitar, e nalgumas vezes até orgulharmo-nos pacoviamente, que o nosso SNS atraísse algum turismo de saúde e que lhes desse, a eles que suspeitavam do Sul e que aparecem sempre nas estatísticas que interessam à nossa frente, o melhor e igualitário Serviço Nacional de Saúde.

E conseguimos também junto dos nossos irmãos com quem percorremos 500 anos de História comum dar-lhes o peixe, que rende, a dar a cana, que os autonomiza.

Num e noutro campo, numa e noutra situação, os interesses, por vezes turvos, estão presentes.

Veremos o que acontece nestes 60 dias. O que acontece e como se revolucionará o SNS – no caso, o Sistema Nacional de Saúde. Mas para ter aqui chegado assim, para ter sobrevivido durante 50 anos o SNS – o Serviço Nacional de Saúde, tem de ter sido uma extraordinária construção, também de Abril, que sobreviveu a todos os comportamentos que, mais do que corruptivos, foram dilacerativos de algo único e extraordinário.

Obrigado António Arnaut, Gonçalves Ferreira, Albino Aroso,  Mário Mendes, e tantos outros.