Raquel Brito, Jornal i online

A corrupção que envolve funcionários públicos (seja qual for o lugar que ocupem na hierarquia das instituições) acarreta elevados desperdícios monetários, arruína a confiança pública e distorce as relações entre os indivíduos

Não são raras as vezes que nos referimos à problemática da corrupção como uma ofensa à Democracia. Principalmente no que respeita aos seus “princípios de igualdade, transparência, livre concorrência, imparcialidade, legalidade, integridade e a justa redistribuição de riqueza”, como vertido no Decreto-Lei n.º109-E/2021 (que estabelece o RGPC).

No debate sobre o fenómeno distintas direções podem ser acolhidas: as motivações individuais que lhe subjazem, as suas consequências, os agentes envolvidos, o setor onde ocorre (público e/ou privado), as leis que o limitam, entre outras. Inegável será o reconhecimento da importância deste debate, acrescentando mais uma “batalha na guerra” contra esta criminalidade.

Somos, quase que diariamente, confrontados com a divulgação de uma panóplia de casos de corrupção, crimes de colarinho branco, conflito de interesses, subornos, fraude fiscal (…), tornando-se inegável que este é um fenómeno (quase) pandémico. E, somos igualmente confrontados com a gravidade das consequências destes crimes para todos nós, principalmente o seu dano económico/financeiro, mais fácil de quantificar. Mais difícil de quantificar e bem menos exposto, mas igualmente preocupante, é o dano moral provocado.

Agregadora de uma complexidade própria a corrupção impossibilita, na grande maioria das vezes (até por questões processuais), que se “faça justiça”. O que, não raras vezes, conduz a crenças de impunidade por quem defrauda e sentimentos de injustiça por quem é defraudado: as vítimas.

Enquanto contribuintes, a nossa preocupação recai, tendencialmente, sobre a corrupção praticada pela/na administração pública. Não esquecendo que a fronteira que separa a corrupção no setor público e no privado é ténue e difícil de traçar.

Debruçada sobre o tema da corrupção no setor público, alguma literatura internacional aponta determinados comportamentos que podem enquadrar-se no conceito de “Corrupção Política” (Ceva & Ferretti, 2021, Fighting corruption with citizens), assim considerada quando respeita a instituições públicas e funcionários públicos. Esta forma de corrupção descreve um fenómeno multifacetado agregado às instituições políticas. Nomeadamente as que constituem autoridade política (o parlamento, os tribunais, a administração pública, etc.) e as instituições do setor público que dependem da autoridade política (escolas públicas, hospitais públicos, forças armadas, etc.). Esta corrupção é definida negativamente como um défice de responsabilização governamental, que ocorre quando um ou vários titulares de cargos públicos, agindo no exercício da sua capacidade institucional, perseguem um fim distinto “à razão de ser” da instituição.  

A corrupção que envolve funcionários públicos (seja qual for o lugar que ocupem na hierarquia das instituições) acarreta elevados desperdícios monetários, arruína a confiança pública e distorce as relações entre os indivíduos. Acresce o aumento de desigualdades sociais e de inúmeras injustiças percebidas pelas vítimas. Neste contexto, a investigação científica conduzida nesta área, muito à semelhança do que já se verifica em outro tipo de criminalidade, tem investido em abordagens vitimológicas.

Em fevereiro de 2024, os autores (Zandi, S., Esmaeili, M. e Farahbakhsh, K.) de um estudo (Victims of Corruption Suffer Personal and Collective Loss: A Qualitative Study of Public Perceptions) procuraram identificar as perceções dos cidadãos sobre os efeitos que a corrupção da administração pública tem nas suas vidas.  Os dados recolhidos por entrevistas semiestruturadas (numa amostragem por conveniência) revelam a perceção da existência de: a) Consequências individuais negativas (incluindo “consequências emocionais negativas”, “consequências motivacionais negativas”, “consequências morais e comportamentais negativas” e “consequências económicas negativas”) e, b) Consequências coletivas negativas (incluindo “consequências negativas relacionadas com formação e estabilidade familiar” e “consequências sociais negativas”).  O estudo revela que os participantes vivenciaram ou perceberam efeitos adversos nas esferas pessoal, familiar e social como consequência da corrupção na administração pública. Destaca-se igualmente que estes impactos podem representar um fator preponderante na justificação da importância e na necessidade de desenvolver e implementar medidas e políticas preventivas conducentes à diminuição de comportamentos corruptos nos agentes públicos.

Parecem não restar dúvidas que os titulares de cargos públicas em particular, e administração pública em geral, devem prestar contas não só perante os seus pares, mas igualmente perante os cidadãos, uma vez que estes últimos se relacionam com as instituições democráticas em concordância com as regras que lhe subjazem. Pelo que se revela fundamental estudar quais os impactos desta criminalidade no quotidiano dos cidadãos, enquanto vítimas primordiais.

Conscientes da impossibilidade da sua extinção, o combate à corrupção no setor público deverá assumir-se como uma prioridade para a investigação criminal e as políticas de prevenção devem ser encaradas de uma forma multidisciplinar com prevalência no estudo dos 3 protagonistas: o autor, o ato ilícito em si e suas vítimas.