Mário Tavares da Silva, Jornal i online
A nivelação de instrumentos de proteção e controlo dos interesses financeiros da União entre os diferentes programas de financiamento europeu em curso é um dos mais importantes e urgentes objetivos que a União deverá procurar concretizar em articulação com os EM
O projeto europeu é um desafio permanente, reclamando, nessa medida, de todos os Estados-Membros (EM) e de todos os cidadãos da União Europeia um claro compromisso de uma atuação ética e de uma postura responsável e vigilante perante a preservação daqueles que são os pilares essenciais de funcionamento de um Estado de Direito, sobretudo num momento tão relevante como é o que presentemente vivemos, marcado por um envelope de apoio financeiro sem precedentes na história da União.
Cobra, pois, neste domínio, aliás com uma intensidade e visibilidade que também não encontram paralelo na história mais recente dos programas associados a fundos europeus, garantir um reforço desses princípios ancilares em que se ancora o Estado de Direito, assim dando cumprimento ao previsto no Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia que, como todos bem sabemos, demanda das autoridades públicas nacionais responsáveis pela execução dos fundos da União, uma atuação legalmente conforme, em particular, pela adoção de adequadas e eficazes medidas que dissuadam, previnam e combatam, sempre que necessário, a prática de atos fraudulentos e de outras atividades ilegais que possam lesar, ou serem suscetíveis de lesar, os interesses financeiros da União.
Neste enquadramento, terá provavelmente passado despercebido a muitos de nós, na espuma do período eleitoral em curso, o recente relatório especial intitulado “Estado de direito na União Europeia” em que o Tribunal de Contas Europeu (TCE) concluiu, globalmente, que apesar de ser possível identificar uma melhor proteção dos interesses financeiros da União Europeia, ainda subsistem riscos a merecer a atenção da Comissão e dos EM.
Em primeiro lugar, o TCE sinaliza que em alguns EM a situação do Estado de Direito se deteriorou nos últimos anos, razão que aliás justifica no seu entendimento a necessidade de uma avaliação e de um olhar mais atento para o portfólio de instrumentos de que dispõe a Comissão, com o objetivo de se concretizar uma atuação mais adequada e eficaz no plano da proteção dos interesses financeiros da União.
Nesta dimensão de análise, o regime geral de condicionalidade previsto no denominado “Regulamento Condicionalidade”, assume a maior relevância, devendo ser percebida e avaliada se a sua aplicação se tem feito de forma adequada e coerente com o próprio Regulamento do Mecanismo de Recuperação e Resiliência, bem como com o Regulamento de Disposições Comuns (RDC) no âmbito da política de coesão no período de 2021-2027.
Assim e tomando por base a amostra de EM que o TCE selecionou para este relevante trabalho, e que incluiu Bulgária, Grécia, Itália, Hungria, Polónia e Roménia, o TCE concluiu que o Regulamento Condicionalidade constitui, objetivamente, uma melhoria no quadro do funcionamento regular do Estado de direito, sendo que no único caso (Hungria) em que a Comissão avançou com medidas ao abrigo desse regulamento, terem os auditores do TCE entendido que a proposta da Comissão se mostrava conforme, assentando numa efetiva avaliação equitativa e evidenciando a necessária complementaridade com os restantes instrumentos orçamentais vigentes no Mecanismo de Recuperação e Resiliência e da política de coesão.
Apesar desse registo positivo, o requisito que obriga a identificar e a determinar a existência de uma conexão suficientemente direta e segura entre as violações dos princípios do Estado de direito e os interesses financeiros da União, constitui um dos aspetos que os auditores europeus consideraram de maior dificuldade na sua efetiva aplicabilidade.
Por outro lado, é também importante não perder de vista que quaisquer medidas de suspensão de fundos, ou de outra natureza, impostas aos EM pela União, como resposta a violações dos princípios do Estado de Direito, pode, no final do dia, redundar numa não concretização dos objetivos prosseguidos no quadro das próprias políticas da União.
Ou seja, teremos então uma situação em que a responsabilidade pela violação caberá sempre, em última análise, ao EM prevaricador e não à Comissão e, simultaneamente, a criação de um risco sério suscetível de fazer perigar a implementação efetiva e bem-sucedida das políticas de União como um todo, o que naturalmente não se deseja.
Acresce a tudo isto um outro aspeto de importância não negligenciável, pois como todos temos vindo a assistir, nem todos os principais programas de despesas da União (por exemplo, a caso da Política Agrícola Comum) se encontram dotados de instrumentos de proteção equivalentes aos previstos no quadro do Regulamento que institui o Mecanismo de Recuperação e Resiliência ou mesmo do Regulamento de Disposições Comuns, o que implica, em nosso entender, que a nivelação de instrumentos de proteção e controlo dos interesses financeiros da União entre os diferentes programas de financiamento europeu em curso seja, em si mesmo, um dos mais importantes e urgentes objetivos que a União, salvaguardando a natureza, especificidades e objetivos associados a cada um deles, deverá procurar concretizar, em total articulação com os EM.
Garantir-se-á assim, em nosso entender, não apenas que os controlos instituídos e previstos na regulamentação comunitária e nacional são adequados e eficazes a garantir uma robusta proteção dos interesses financeiros da União como, ainda, que os mesmos não constituirão nunca, em circunstância alguma, pela sua falta de adequação ou desproporcionalidade, um risco sério à concretização das próprias políticas que com eles a União pretende prosseguir.